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Livro de Cícero Péricles mostra a miséria e a riqueza da cana de açúcar

Poucos assuntos são tão silenciados ou intencionalmente esquecidos em Alagoas quanto as atividades da indústria sucroalcooleira principalmente as relações de trabalho. A imprensa local geralmente tem pautas fixas, como se fossem obrigatórias: dar voz às reclamações dos usineiros ou grandes plantadores de cana sobre projetados prejuízos na safra por questões climáticas ou pragas; na safra, mostrar Alagoas no topo dos estados que mais empregam no país, sem discutir a qualidade e os salários desta mão de obra nos canaviais; e os lucros e exportações, comprovando a robustez da cultura secular.

Há décadas, o mesmíssimo discurso está em voga: usineiros querem dividir os prejuízos, conversando com governadores, deputados federais e/ou ministros do planalto central em busca de perdão/flexibilidade no pagamento de dívidas, linhas de crédito generosas e especialíssimas nos bancos públicos e até liminares na justiça para que os alicates da concessionária de luz suspendam os cortes por uma “questão social e humanitária”.

Isso também é um direito de agir e se fazer obedecer. O poder dos canaviais elege quem lhe faz jus à sua grandeza.

Qualquer alagoano deveria ler o mais novo livro do professor Cícero Péricles, “Mudanças na Agroindústria Canavieira Nordestina 2000-2012”, recentemente lançado pela Edufal e Eduneal. São 189 páginas que podem ser divididas: 1) como o setor sucroalcooleiro conseguiu chegar ao que é hoje, com apoio estatal (via Instituto do Açúcar e Álcool), modernização do maquinário, alto padrão genético da cana, estratégias de exportação, falências e diminuição das áreas plantadas e lucros extraordinários, combinados a produções recordes e; 2) crueza das relações de trabalho “refletindo-se no atual padrão de desenvolvimento humano dos seus municípios”, passivo ambiental e saúde pública (queimada da palha para corte e colheita).

O número de trabalhadores do setor sucroalcooleiro vem caindo ano a ano. E há diferença entre o trabalhador do campo e os especializados ou industriais nas usinas. Os do campo têm uma situação mais precária, representando o maior conjunto de assalariados agrícolas no Nordeste. Gente submetida ao descumprimento dos acordos coletivos firmados pelos empregadores.

Nos anos 2000 a pressão das fiscalizações nos canaviais aumentou o número de trabalhadores formalizados e melhorou os salários, mas sem resolver problemas antigos e graves nas condições de trabalho na área industrial.

Dificuldade também é a escolaridade do pessoal que trabalha no setor sucroalcooleiro: é a mais baixa entre todos os setores industriais de Alagoas.

Por que a modernização do setor e a humanização do trabalho canavieiro ocupam polos opostos?

Afinal, quando será encerrada a queimada da cana em Alagoas, vigendo desde o século 16?

A mecanização da cana vai chegar às plantações locais. Isso aumenta o rendimento da cana crua, com maior teor de açúcar, dispensa o uso de água usada na lavagem e mantem a umidade do solo, permitindo aproveitar a palha como combustível adicional ao bagaço da cana.

Mas para onde vão os trabalhadores substituídos pelas máquinas?

Nenhum dos candidatos ao Governo nos últimos 20 anos e nenhum dos governadores propôs colocar este assunto como questão política e econômica.

Nos tempos do IAA, por exemplo, o apoio estatal foi fundamental para que áreas arenosas ou inclinadas fossem artificialmente rentáveis, mesmo que anos depois fossem arruinadas. É comum em algumas antigas áreas de plantação de cana o solo esteja tão pobre de nutrientes que outras culturas, como plantação de caju, manga, graviola sejam inviabilizadas, mesmo com adubação e uso do esterco animal.

A área plantada da cana recuou mas as terras foram ou são usadas para a criação de gado, sem a mudança agrária com a agricultura familiar “com suas plantações diversificadas”. Sem apoio estatal, a modernização da estrutura fundiária e do sistema de produção na zona da mata continuam sendo um sonho.

E pode-se observar que a pecuária vai garantindo a sua força pelas bancadas que elege na Assembleia Legislativa e Câmara Federal. O próprio presidente da Câmara Arthur Lira é um dos maiores criadores de gado do Nordeste e escoa sua produção para prefeituras.

Nas terras, voltando ao livro de Cícero Péricles, prevalece o predomínio da agricultura vinculada à produção canavieira e pecuária extensiva, reduzindo a possibilidade de diversificação da agricultura familiar. Saindo das páginas do livro e passeando pelas feiras na zona da mata, vemos o seguinte fenômeno nas bancas: os produtos da agricultura comercializados são de outros estados mais próximos.

Talvez seja a hora de incluir usinas e agricultura familiar na pauta dos candidatos. No país que assiste ao avanço da pobreza, da fome e do desemprego, soluções estão à vista. Resta saber quem dirá isso aos donos da cana. Quem se habilita?

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