Leia decisão do ministro Ari Pargendler sobre retorno da prefeita de Traipu

SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA Nº 1.558 – AL (2012/0072870-3)
REQUERENTE : JULLIANY TAVARES FREITAS MACHADO
ADVOGADOS : ALUISIO LUNDGREN CORREA REGIS
GABRIEL PORTELLA FAGUNDES NETO
REQUERIDO : TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5A REGIÃO
INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
DECISÃO
1. Os autos dão conta de que o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública contra
Julliany Tavares Freitas Machado e outros por supostos atos de improbidade administrativa (fl.
1.012/1.124).
O MM. Juiz Federal Dr. Gilton Batista Brito deferiu a medida liminar para afastar Julliany
Tavares Machado dos Santos do cargo de Prefeita do Município de Traipu, AL, pelo prazo de 180
dias (fl. 100).

Lê-se no decisum:
“No caso, a petição inicial e a documentação que a acompanha descrevem a prática reiterada, organizada, lesiva e manifesta de dezenas de atos de improbidade administrativa,  envolvendo desvio de recursos públicos federais repassados pelo Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação – FNDE, através do Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE, causando prejuízo ao erário da ordem de centenas de milhares de reais. O relatório de
fiscalização elenca de forma pormenorizada e documentada extensa relação de irregularidades que configuram, dezenas de vezes, os tipos de enriquecimento ilícito, lesão ao erário e ofensa aos princípios da Administração Pública, tais como: ausência de comprovação documental da destinação das verbas repassadas; indícios de falta/fraude de procedimentos licitatórios; direcionamento de despesas em burla à licitação; ausência de responsável técnico – nutricionista – pela merenda escolar; Conselho de Alimentação Escolar do Município é ineficiente; ausência de comunicação aos partidos políticos, sindicatos e câmara municipal acerca do recebimento dos recursos destinados ao PNAE.

A circunstância de se tratar de verba educacional em município com baixo índice de desenvolvimento humano, no qual o direito à educação é garantido pela oferta regular e gratuita de transporte público, de alimentação escolar, especialmente de crianças e adolescentes, por si só, revela a gravidade das condutas imputadas, mormente quando o conjunto probatório produzido demonstra desvio sistemático em proveito próprio.

Os elementos coligidos pela autoria trazem indícios de prática de atos de improbidade administrativa pelos réus, sobretudo pela prefeita em exercício municipal. Assim, em exame profissório, não há como negar que os elementos de convicção trazidos reveladores da prática de ato de improbidade são suficientes para determinar o afastamento das autoridades e servidores, tudo indica, envolvidos.

…………………………………………………
No ponto, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, em julgado recente, consagrou o entendimento de que a medida, por si só, não causa grave lesão aos bens jurídicos protegidos pela Lei nº 8.437/92 (ordem, segurança, saúde e economia públicas).
…………………………………………………
Ao revés, em hipótese como a dos autos, a própria permanência da autoridade, especialmente quando há fortes evidências comprobatórias da prática contínua e manifesta de ilegalidades administrativas pelo chefe municipal, fundamentado na vasta documentação e depoimentos constantes nos autos, configura lesão, como já decidiu a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça.
…………………………………………………
Ressalte-se que a peça, a par de narrar de forma detalhada e individualizada gravíssimas condutas possivelmente praticadas pelos réus, vem acompanhada de diversos documentos públicos e, portanto, com presunção de legitimidade e veracidade, indicativos de improbidade.

Certo, a medida é drástica e excepcional, sobretudo quando alcança o chefe da municipalidade. Sucede que o conjunto probatório (perícias, relatórios da CGU, peças de inquérito policial e termo de declarações) que para além de traduzirem indícios de irregulalidades, demonstra reiteração no esquema fraudulento, a despeito de medidas judiciais anteriores, como a decisão proferida nos autos nº 0000566-40.2011.4.05.8001, que determinou o afastamento do prefeito eleito
Marcos Santos, pela prática de atos de improbidade bem semelhantes aos descritos nestes autos, além de penais (prisão), com o agravante de produção documento fraudulenta” (fl. 92/100).

Seguiu-se pedido de suspensão, indeferido pelo Presidente do Tribunal de Justiça de Alagoas, decisão mantida pela Corte Especial daquele tribunal em acórdão assim ementado:

“PROCESSUAL CIVIL. PEDIDO DE SUSPENSÃO DE TUTELA ANTECIPADA. HIPÓTESE QUE NÃO JUSTIFICA O USO DA CONTRACAUTELA. INOCORRÊNCIA DE EFETIVA AMEAÇA DE LESÃO À ORDEM, À ECONOMIA, À SEGURANÇA E À SAÚDE PÚBLICAS. IMPROVIMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL.
I. É sabido que não se faz, no exíguo espaço deliberativo do pedido de suspensão, uma análise da res in iudicium deducta a partir de seus elementos jurídico-normativos; tal cotejo ‘técnico’ é próprio dos recursos, sendo certo que ambos os meios de impugnação não se confundem entre si, senão que ocupam espaços cognitivos marcadamente díspares.

II. Deixa-se para o expediente presente a aferição da conveniência e da oportunidade na manutenção dos efeitos da decisão impugnada antes de seu trânsito em julgado. Trata-se de medida extrema, que somente pode ser adotada em casos raros, nos quais a providência – contracautela político-administrativa – efetivamente se justifique, situação que, convenha-se, não é a dos autos.

III. Agravo regimental improvido” (fl. 101). 2. Daí o presente pedido de suspensão, articulado por Julliany Tavares Machado dos Santos,  Prefeita afastada do Município de Traipu, AL, destacando-se nas respectivas razões os seguintes
trechos:

“Justifica-se, pois, com a devida vênia, a necessidade emergencial de concessão da tutela pretendida, com o presente Pedido de Suspensão de Execução de Liminar.Dessa forma, o afastamento da requerente do exercício do cargo de Prefeita em exercício representa um término antecipado do mandato outorgado a ela pelo povo, ante o afastamento do
titular por determinação judicial, caracterizando, assim, lesão irretocável e insuperável de sua imagem, bom nome e capital político amealhado, que pode, pois, comprometer não apenas as suas atividades atuais, como as que eventualmente poderão vir a exercer no futuro.
…………………………………………………
O mandato é um bem jurídico de natureza constitucional. Fruir-lhe a execução é direito do mandatário. Somente mediante o devido processo legal poderia o primeiro requerente ter sido afastado de suas funções.

Destarte, a decisão atacada, ainda que prolatada por culto magistrado, é contrária à Constituição Federal e fere, sem ressaibo de dúvidas, a ordem pública, que, como bem salientou o STF, compreende a ordem jurídico-constitucional, jurídico-administrativa e jurídico-processual (STF, Suspensão de LIminar nº 26-8, Bahia, 23.12.03, Min. Maurício Corrêa, Pleno, DJ de 28.02.2003).
…………………………………………………
E a gravidade desta lesão à ordem pública, administrativa e processual e à própria segurança e à economia públicas estão caracterizadas, pois impedem a continuidade de políticas públicas consistentes que visem a erradicação da pobreza e da miséria, na forma traçada pela requerente, na administração do segundo requerente, em consonância com a vontade e o desejo da população, conforme externado desejo popular consubstanciado na preferência popular externada por mais de 60% (sessenta por cento) dos eleitores.
…………………………………………………
Além do mais, a decisão imposta está onerando demasiadamente o Poder Executivo, uma vez que tem que remunerar tanto o Prefeito, que está afastado, quando a requerente, que está afastada, como o Vice-Prefeito, que passa a ser remunerado como titular, como a Presidente da Câmara, sem que, para tanto, tivesse previsão para esse fim, seja legal, seja orçamentária e financeira, o que constitui-se em grave lesão à ordem econômica.

Portanto, torna-se claro que há uma necessidade emergencial de concessão da tutela pretendida com o presente Pedido de Suspensão, dado que é o entendimento pacífico da Excelsa Corte.
…………………………………………………
Do exposto, chega-se à ilação de que a decisão consiste em lesão irreparável e de proporções imensuráveis, em violação absoluta do Estado Democrático de Direito, com as necessárias garantias do contraditório e da ampla defesa” (fl. 01/86).
3. A suspensão de medida liminar exige um juízo político a respeito dos valores jurídicos tutelados pela Lei nº 8.437, de 1992, no seu art. 4º, a saber, ordem, saúde, segurança e economia públicas; nesse âmbito, não se avalia a correção ou equívoco da decisão, mas a potencialidade de lesão àqueles valores.

Aqui, a decisão cuja execução se busca suspender deferiu o afastamento da Requerente do cargo de prefeita do Município de Traipu, AL, em razão da gravidade dos fatos e da reiteração dos atos de improbidade.

O afastamento tem lugar para garantir a regularidade na instrução processual de ação civil pública, com base no art. 20, parágrafo único, da Lei nº 8.429, de 1992, in verbis:

“Art. 20. A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória.
Parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual”.
A norma supõe prova suficiente de que o agente público esteja dificultando a instrução processual, e sua aplicação deve ser ainda mais estrita quando se trata de afastamento de titular de mandato eletivo, considerada a temporariedade do cargo e a natural demora na instrução da ação.

Desprovido de fundamento, o afastamento pode constituir uma indevida interferência do Poder Judiciário, causando instabilidade política. Na espécie, a medida carece de fundamentos concretos. Ao contrário, aparentemente a
instrução processual está bem encaminhada, tal como se lê dos seguintes trechos da decisão impugnada:
“No caso, a petição inicial e a documentação que a acompanha descrevem a prática reiterada, organizada, lesiva e manifesta de dezenas de atos de improbidade administrativa, envolvendo desvio de recursos públicos federais repassados pelo Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação – FNDE, através do Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE, causando prejuízo ao erário da ordem de centenas de milhares de reais”.
“Registre-se que a peça, a par de narrar de forma detalhada e individualizada gravíssimas condutas possivelmente praticadas pelos réus, vem acompanhada de diversos documentos públicos e, portanto, com presunção de legitimidade e veracidade, indicativos de improbidade”.

Defiro, por isso, o pedido de suspensão.

Comunique-se, com urgência.

Intimem-se.

Brasília, 07 de maio de 2012.

MINISTRO ARI PARGENDLER

Presidente

.