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Informação: dispositivo de cooptação da percepção

A variedade de acessos a informação que dispomos no mundo atual estimula de tal forma nossos processos perceptivos que tomamos como alternativa o isolamento. Nos isolamos na tentativa de minimizar o assédio da informação através do encaixotamento perceptivo no qual nos tornamos sensíveis a apenas algumas palavras-chave e contextos imagéticos específicos. O mundo encantado da informação nos assedia e é imperativo para todos. A sociedade luminosa, brilhante e ofuscante tensiona nossa percepção de forma incômoda, estressante, distanciada da complexidade das relações.

A emergência da imagem e dos estímulos visuais produzem a criação de mundos  alternativos, onde a procura de sentidos anima a estruturação de um refúgio individualizado, distante. As sensações, como o olfato e paladar são ajustados de formas irreais, acentuadas e intensificadas: temperos industrializados, aromas que disfarçam os odores da cidade, espaços que simulam cheiros de flores silvestres e ervas aromáticas do campo fazem parte do repertório diário da contemporaneidade. Entretanto, os campos, lugar das flores silvestres e ervas aromáticas, estão dando lugar a jardins genéricos, flores padronizadas, plantas com espinhos e calçadas de cimento e concreto. O mundo real dá lugar ao imaginado. A sensação dos perfumes das flores não nos aproxima delas, nos distancia e nos aliena da relação com a vida.

Modelos de percepção predefinidos agem como um filtro da realidade, sendo o mundo externo apenas acessível de forma indireta, pois projetamos o referencial universal, ditado pelos sistemas de informação, na forma que nos relacionamos com o mundo. Os grupos e as relações interpessoais são guiados pelo imediatismo devido a incapacidade de ter tempo para a organização dos afetos, dos processos intelectuais e subjetivos responsáveis pela abstração e reordenamento psíquico, pela expansão da compreensão das frustrações, de avaliação e entendimento das diferenças pessoais, etc. Por essa razão que algumas coletividades pedem o retorno de acontecimentos históricos destrutivos: há uma incapacidade de abstração pois os corpos são controlados de maneira ostensiva na cidade, não há passeios massivos pelas bibliotecas e teatros, muito menos tempo para  leitura da história do país. A irracionalidade das narrativas desses grupos é reflexo da grande tensão subjetiva que vivemos pois não enxergamos um bom futuro. Para nós a informação predestinou o caos, veremos, então, o mesmo. E de forma inquestionável.

O irracional, a disponibilidade à intensidade dos prazeres e da evacuação da energia vital pela agressividade são recursos encontrados por determinados grupos como a catarse necessária aos sentidos. A sobriedade necessária as relações é abandonada pela sensação de insegurança viabilizada por não conseguirmos enxergar o chão e pisarmos no reflexo das luzes da cidade. Com toda a parcela de vícios e estímulos que vivemos no mundo atual, é dificultoso livrarmo-nos desse contexto. O mundo da informação não permite que haja alguém fora de seu domínio. O assédio funciona pela obrigatoriedade da participação, do compartilhamento.

Aqui-agora: a responsabilidade do presente

Nossa maneira de lidar com o futuro tem nos prendido em uma redoma de repetições comportamentais. A obsessão contemporânea pelo futuro tem comprimido a temporalidade em todas as direções: o passado é esquecido e rejeitado, o presente é suprimido pela ânsia de algo sempre novo e o futuro é a expectativa sempre latente, onde projetamos nossas fantasias e necessidades. O que surge dessas relações são  grandes crises quando nos deparamos com a morte inevitável, com as frustrações e com a impossibilidade de realização dos nossos desejos. Queremos que o país mude: projetamos uma imagem do futuro, com todos os nossos valores, concepções individuais sobre o bom e correto, damos a imagem o teor que queremos, o aspecto que achamos conveniente e esquecemos de nos conectar com a complexidade que a realidade exige.

O corpo, dimensão sempre do presente, é esquecido como mediador do imediato. Damos ao corpo, no mínimo, a função do prazer. O hedonismo é o que nos conecta ao presente de forma inividual e coletiva. Nossas angústias são expostas a todos quando estamos em roda de conversa num final de semana tomando cerveja. O corpo é o veículo do prazer e está fadado a isto. No entanto, esquecemos que o corpo está inserido na dimensão do político, na esfera da produção de sentidos, no âmbito da ação social. O corpo carrega a responsabilidade da atuação no mundo e na relação com os outros no fazer social.

A categoria “responsabilidade” foi esquecida do nosso repertório. O esvaziamento de sentido nas relações interpessoais e o processo de individualização crescente da sociedade impede que se promova, junto às funções do corpo, a conscientização da responsabilidade. O futuro é responsabilidade do outro e o outro sempre nos assujeita, no entanto, nossa existência diz respeito apenas a nós mesmos e não existe formas de alienar-nos dessa máxima. As conexões do corpo precisa nos ater ao presente para que enxerguemos as teias complexas dos fenômenos no aqui e no agora. Isenção de responsabilidade não é o forte da vida, isto está claro para quem sofreu no corpo suas sensações reais.

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