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Guerreiro Kaxagó: de Alagoas para Sergipe, a luta

Os guerreiros Kaxagós Swyrã Kawyrã emergiram da história de um massacre para falar de lutas por justiça ao povo desterritorializado, que escapou da extinção pela etnogênese desenvolvida no salvamento e reconstrução da identidade cultural no seio da aldeia Kariri-Xocó em Porto Real do Colégio.

O que a princípio me pareceu narrativa fantástica, confirmou-se história em um trabalho de conclusão de curso feito por Edvanio Soares da Silva, na Universidade Estadual de Alagoas, intitulado Etnia Kariri-Xocó: Etnônimo Kaxagó.

Vendendo artesanato, partilhando saberes e vivências com o círculo de força do Toré, que é um dos resultados da incorporação cultural junto aos Kariris, o jovem que se afirmou escolhido para Pajé por seu pai, cacique Natuyé, desfiou em palavras as memórias e esperanças do povo Kaxagó, que recolheu-se durante o tempo necessário no aldeamento de parentes mas já retomou o reconhecimento de sua existência étnica na contemporaneidade, de modo oficial.

Para conseguir o reconhecimento étnico o cacique fez greve de fome em frente ao prédio FUNAI em Maceió, AL. Esse reconhecimento agora (re)conquistado é um passo fundamental para a luta dos Kaxagós para readquirirem seu território e desenvolverem sua própria cultura, com tradições e artefatos próprios.

De acordo com Swyrã, o grupo conseguiu ser reconhecido como etnia única em 2009.

De onde vêm os Kaxagós? Por qual razão habitam o território alagoano?

Temos como fonte explicativa a oralidade do jovem entrevistado e o trabalho científico de Edvanio Soares da Silva, mas ambas as falas colaboram para o melhor entendimento do processo.

Swyrã disse que seu povo pertencia a Pacatuba no estado de Sergipe, morando em um lado do Rio Poxim enquanto do outro residiam os Natu, em conexão. Mas foram vítimas de um massacre e tudo o que possuíam foi deixado para trás para não morrerem.

Edvanio, em seu trabalho afirma que “o aldeamento data do século XVIII e segundo as pesquisas foram vistos até 1873, quando sofre um conflito fundiário e perde suas terras”.

A tomada de terras por violência institucionalizada ou não, faz parte da história brasileira, e os povos originários carregam as consequências destas truculências normalizadas, desde quando tiveram que abdicar de suas identidades incorporando a participação como brancos na cultura local, ou buscando sobreviver na fusão com outros povos, como é o caso dos Kaxagós de Sergipe que vivem em Alagoas, na aldeia dos Kariri-Xocó de Porto Real do Colégio.

O jovem indígena lamentou a perda da língua tupi, mas durante todo tempo da entrevista ressaltou o quanto foi importante serem acolhidos pelos Karri-Xocó, com os quais partilham as vivências sagradas no segredo do Ouricuri.

Enfatiza que para os Kaxagós a tradição é a palha, e a representação de uma palmeira sagrada foi muito importante para unir os povos. Os ritos religiosos fazem parte da vida de toda aldeia. Certamente ajudou no que Edvanio chama de “processo que envolve a adaptação e recriação cultural dos grupos étnicos”.

Swyrã não perde a esperança de retornar ao território sergipano. Assim como os demais membros do grupo, que se estão se tornando marco de resistência na história das lutas originárias contemporâneas.

Apesar de todo processo de adaptação desenvolvido para conviver com os Kariri-Xocós, os Kaxagós não vislumbram futuro na forma como estão vivendo, pois “os Kariri-Xocó não têm emprego nem para eles, quem dirá para os Kaxagós”. Pelo fato de serem povo agregado, eles se sentem ainda mais relegados ao acaso, e somente a luta pela retomada das terras representa verdadeira esperança.

O trabalho de Edvanio registra que o “aldeamento de Pacatuba foi tido como um dos principais aldeamentos localizado no estado de Sergipe, e de maior população até o ano de 1825”. Apesar de acabar pelo “massacre  do exército comandado por Cristovão de Barros, mandado do governo da Bahia na época”, o importante fenômeno migratório garantiu a sobrevivência, e “a extinção do mesmo não resultou do desaparecimento da população indígena, ou sua integração à sociedade regional, mas à oficialização do esbulho fundiário sofrido por essa população que teve suas terras usurpadas.

“Atualmente as famílias que se identificam como Kaxagó vivem na Terra Indígena Kariri-Xocó, localizada no município de Porto Real do Colégio, AL”. Complementa.

Apesar de acreditar nos antigos que lhes ensinaram que aquele que “ouvir, calar, boa vida passará“, junto ao outro jovem  que estava presente no momento da entrevista, Kawyrã, o entrevistado demonstrou imensa disposição em falar sobre a história do seu povo enquanto espera que a justiça brasileira cumpra seu papel diante da grandeza histórica dos Kaxagós, povo que silenciou por muito tempo, mas agora quer ser ouvido e respeitado, para que a boa vida seja transcorrida em sua própria aldeia.

 

 

 

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