Esperança no papa

A blogueira Yoani Sánchez, uma voz contundente contra os irmãos Castro, espera que a presença papal funcione como um despertador capaz de acordar os 11,3 milhões de cubanos

Rodrigo Craveiro-Correio Braziliense

Bento XVI chega à ilha dos irmãos Castro em meio à expectativa dos dissidentes por um discurso firme na defesa dos direitos humanos. Agenda do pontífice prevê encontros políticos apenas com o presidente Raúl Castro

Mais do que mensageiro da fé, o papa Bento XVI desembarca em Cuba como portador de esperança para os opositores ao regime de Raúl Castro. A segunda visita de um pontífice à ilha socialista — João Paulo II esteve no país em 1998 — é aguardada como uma oportunidade para que o líder católico exerça sua influência em favor de uma abertura política. Na sexta-feira, a bordo do avião que o levou ao México, Bento XVI fez uma crítica incisiva e direta ao sistema cubano. Além de afirmar que a ideologia marxista já não corresponde à realidade, ele instou Cuba a buscar novos modelos e a avançar “sem traumas”.

A blogueira Yoani Sánchez, uma voz contundente contra os irmãos Castro, espera que a presença papal funcione como um despertador capaz de acordar os 11,3 milhões de cubanos. “Desejamos que a ação não parta dele, mas de nós mesmos”, afirma ao Correio, por telefone. Para ela, a agenda do pontífice é determinante. “Caso ele se reúna apenas com Raúl e Fidel Castro, será uma visita inglória. Se ele escutar a outra parte, haverá um movimento para a transformação”, acrescenta. Tudo o que as Damas de Branco desejam é ter um minuto apenas com Bento XVI. O grupo de mulheres e mães de presos políticos teme que o governo cubano manipule o papa. “As autoridades poderão dizer a ele que não existem prisioneiros, que elas respeitam os direitos humanos e que as pessoas têm liberdade para ir à missa”, diz à reportagem Berta Soler, líder da organização. Ela tem fé em que Bento XVI repita o gesto do antecessor, João Paulo II, e negocie um indulto para os 44 presos políticos e para alguns dos detentos comuns. “É nossa esperança, ainda que saibamos como o governo cubano é imprevisível”, admite.

Nos últimos dias, as Damas de Branco têm sentido o aumento da repressão aos opositores por parte do regime. Berta conta que muitas delas foram proibidas de participar das missas dominicais, além de terem sido golpeadas, arrastadas e detidas. “Eles nos proibiram de participar das celebrações do Santo Padre. Nós queremos esse direito, queremos nos sentir ao lado de Deus. Bento XVI representa Deus e Cristo na Terra”, protesta. Entre 15 e 18 de março passado, 104 militantes do grupo, incluindo sua líder, foram presas. A Anistia Internacional condenou as detenções e alertou para o recrudescimento do aparato repressivo.

Um dos 75 presos de consciência reconhecidos como tal pela Anistia, José Daniel Ferrer, denuncia que a casa de alguns dissidentes está sob cerco policial e não esconde um certo pessimismo. “Passaram-se 14 anos desde a visita de João Paulo II e continuamos sem direitos e sem liberdade”, desabafa. “Mas seremos gratos por toda mensagem de alento e de denúncia de violação dos direitos humanos”, emenda. Ele espera que Bento XVI tenha contato com setores da oposição.

Mediação
Alguns dissidentes veem a visita do papa como uma chance de a Igreja Católica retomar o protagonismo nos entendimentos com o regime. Em julho de 2010, o cardeal Jaime Ortega negociou a libertação de presos políticos — anistiados, alguns deles foram exilados na Espanha. No entanto, Guillermo Fariñas, jornalista que se notabilizou por mais de 100 dias de greve de fome, aponta divergências entre o que o Vaticano deseja e o que pretende a liderança católica na ilha. “A Igreja cubana está em cumplicidade tácita com o governo, deseja ganhar benesses do regime às custas dos oprimidos e dos adversários pacíficos do sistema”, denuncia, em entrevista por telefone. Fariñas lembra o episódio recente na igreja Nossa Senhora da Caridade, em um vilarejo próximo a Santiago de Cuba, ocupada por dissidentes. “Ortega pediu à autoridade repressiva que os retirasse dali.”

Bento XVI ficará apenas 51 horas na ilha. Ele iniciará a visita em Santiago de Cuba, às 14h de amanhã (16h em Brasília). Três horas e meia depois, celebrará missa em homenagem aos 400 anos da aparição da imagem de Nossa Senhora da Caridade do Cobre. Na manhã seguinte, visitará o santuário citado por Fariñas e partirá para Havana, aonde chegará ao meio-dia (hora local) de terça-feira. Na capital, o papa vai encontrar-se com Raúl Castro no palácio, jantar com bispos cubanos e, às 9h de quarta-feira, vai proferir a homilia em um altar instalado na Praça da Revolução.

Multidão no México
Centenas de milhares de fiéis saudaram Bento XVI ao longo dos 34km do trajeto entre o aeroporto de Silao e o Colégio de Miraflores, em León, onde o papa ficará hospedado durante a visita ao México, a primeira do pontífice à América hispânica. No desembarque, quando foi recebido pelo presidente Felipe Calderón, o líder católico se referiu ao “mal” da violência associada ao narcotráfico. Desde que Calderón declarou guerra aos cartéis, no fim de 2006, mais de 50 mil pessoas morreram em operações das forças de segurança ou nos enfrentamentos entre gangues rivais.

Três perguntas para – Yoani Sánchez, blogueira cubana

Qual é a sua expectativa em relação à visita de Bento XVI?
Eu nasci em 1975, em um dos pontos climáticos do ateísmo radical. Nunca fui batizada. Tenho uma pequena fé. Tenho um sonho de que Bento XVI tome o microfone e fale da situação na ilha. Se não o fizer, nós nos daremos conta de que não precisamos dele e de uma ação internacional.

Cuba tem experimentado um aumento da repressão, antes da chegada do papa?
Sim. Nós estamos vivendo uma paramilitarização de nossa sociedade. Há policiais em cada esquina e existem ordens para capturar pessoas nas missas e em vigílias, como as Damas de Branco. Há um aumento importante na repressão. Por isso, é importantíssimo que Bento XVI mantenha seu discurso.

Mas o povo cubano tem esperança de que o pontífice adote um discurso mais crítico em relação ao governo?
Há expectativas, fundamentalmente entre as peregrinas e os fiéis. Não tanta expectativa como antes da visita de João Paulo II, que foi muito maior, por ter sido a primeira vez que um papa visitava Cuba. Era algo considerado praticamente um milagre.

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