Entre as riquezas de valor artístico e cultural que permeiam a história alagoana, o coral Carlos Gomes, constituído por alunos da Escola Estadual Cyro Accioly se manifesta como território de refazimento da vida e repositor de sentidos em muitas histórias, através da força da música. A escola de cegos e pessoas de baixas visão comporta além daqueles que nasceram com a deficiência visual os que se tornaram deficientes e precisam aprender a viver sem este aparato sensorial.
No último dia de atividades abertas do III Congresso Internacional sobre Práticas de Aprendizagem Integradoras e Inovadoras (CIPAII), ocorrido em Maceió, o coral fez uma distinta apresentação, exibindo suas singulares entonações em cantos que encantam!
Na ocasião registramos alguns relatos que depõem a favor da arte musical:
Para Silvania participar do coro é algo terapêutico, após perder a visão por efeito de um descolamento de retina, reaprendeu a existir cantando. Citou os festivais de coros e eventos dos quais participam como algo extremamente agradável.
Rosa Maria disse que entrou na Escola Cyro Accioly em um quadro depressivo, pois perdeu a visão com 30 anos. Após a participação no coral, também se descobriu cantora solo, e tem até um nome artístico: Rosabela!
Maria de Fátima perdeu a visão aos 53 anos, e relatou que quando o fato se consumou, acreditou que não sobreviveria por um mês na condição de pessoa cega. Aos poucos foi reaprendendo tudo, como se alimentar, fazer higiene pessoal até chegar ao ponto de executar sozinha todas as tarefas domésticas.
Na vida de Fátima, que se considera uma mulher autônoma o coral é fonte de alegria e êxtase. Afirmou que nunca esqueceu a sensação de apresentar no principal palco de Alagoas, o Teatro Deodoro. Aos 67 anos, considera a participação no coro como um divisor de águas em sua história. E agradece à música, assim como ao professor Luciano, regente que trabalha com amor incondicional.
Germano é um membro antigo da escola, e um dos nascidos cego. Disse que nunca tinha cantado, se afirma ainda desafinado, mas em processo de aperfeiçoamento a partir do trabalho do professor Luciano, e tem certeza de que sua voz está melhorando, até realizar o sonho de se tornar um cantor.
José Silvio Martins Davi é a alegria em pessoa. Senso de humor afinado! É pedagogo, fez curso de Letras e deseja investir no estudo de línguas, embora já domine um repertório bom em espanhol. Em suas palavras, quando entrou na escola de cegos estava “acabado”, no ano de 2007, mas desde 2008 participa do coral e sua vida melhorou 99%. Faz técnica vocal e reconhece o poder da música.
Cecília Mônica Ferreira dos Santos estuda jornalismo na Universidade Federal de Alagoas, está no 7º período. Sua chegada na escola de cegos também foi dolorosa, pois o glaucoma encerrou sua vida como técnica de enfermagem, cabeleireira e maquiadora. Com autoestima baixa , escondia os olhos e tinha vergonha da nova condição. A participação no coro elevou sua estima, recuperando em 50% sua alegria de viver.
Eduardo, que era o mais jovem entre os presentes, disse que o coral mudou sua vida para melhor de várias maneiras, principalmente no enfrentamento da timidez.
A Maria Rosa, que tem baixa visão, registrou que estuda canto e coral, aprende técnicas vocais e considera a experiência uma maravilha!
Josefa Lopes disse ter 17 anos ao contrário, e no auge dos seus 71, além de cantar faz artesanato com fuxico e bolsas porta-níqueis. Jurou que nunca furou os dedos com uma agulha!
Daniele tem 36 anos, veio de São Paulo para Alagoas em depressão. Estava de luto. Conheceu o coral com a ajuda do esposo e o considera “um alívio”, afirmou que está se recuperando.
Eugênio tem 63 anos, é nascido cego. Não canta, mas participa do coral tocando instrumento musical. Mas afirmou que também vai trabalhar a voz.
Geronilda Alves é uma das fundadoras do coral, junto com o professor Cícero, primeiro regente, já falecido. Assume que continuará até seus últimos dias.
A coordenadora do coral, que também é cega e membro do mesmo, é Marilene, citada por diversos como um canal de transformação em suas vidas, através do estímulo para a participação. Falou que incentiva as pessoas porque o coral não pode parar!
Enfim chegamos ao professor Luciano Peixoto, licenciado em música e pós-graduado em educação musical. Hoje regente do coral de cegos da Ciro Accioly, que tem mais de 40 anos, e resiste na configuração do tempo a partir de quem reage positivamente aos desafios.
“Reger um coral de cegos é algo que nenhuma universidade ensina”, disse.
“Trabalho técnica vocal com sinestesia, sentindo movimentos do corpos para entender o funcionamento”. A fisiologia é parceira da música e dos cantores, assim como a audição ajuda o trabalho de estar à frente: “oriento para passar a música inteira e no final diminuir o volume”.
Admite que apenas pré-define ações e comportamentos, mas na verdade são os cegos cantores que guiam o maestro. Que “bate o pé” para indicar a hora de agradecer os aplausos assim como orienta o público sobre o momento de aplaudir.
É pura empatia no palco.
Os insumos utilizados neste magnífico trabalho são conseguidos através de doações.