Medidas e discursos contraditórios do governo federal relacionados à transição energética no Brasil deixam especialistas apreensivos. A falta de um plano de longo prazo e de ações para reiterar o compromisso com o Acordo de Paris foi criticada por estudiosos reunidos pelo Instituto Clima e Sociedade (iCS) para debater o tema. A insistência da Petrobras em explorar a Foz do Amazonas, na Margem Equatorial; a expansão do gás fóssil, incluindo as termelétricas inflexíveis; o risco do aumento nas contas de energia e a ausência dos consumidores nas discussões sobre o setor foram pontos destacados.
Professor do Programa de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ, Roberto Schaeffer lembra que a Petrobras tem usado internacionalmente o argumento de que seu petróleo é melhor, do ponto de vista ambiental, do que o da concorrência. “A pegada de carbono de produção de um barril de petróleo típica no mundo é da ordem de 22 quilos de CO2. A média brasileira é de dez quilos, e a do pré-sal é de oito quilos”, explica.
“Mas, com a intenção de exploração na Foz do Amazonas, surge uma grande contradição”, afirma o acadêmico. Segundo ele, são grandes os riscos ambientais na Foz do Amazonas, um ecossistema frágil e único. “Procurar e produzir petróleo na Foz do Amazonas coloca por terra o discurso de justificar o óleo brasileiro por ser melhor ambientalmente do que os que a Petrobras quer substituir, como os da Venezuela e do Canadá”.
Schaeffer enfatiza os danos ambientais em caso de vazamento. Além dos riscos aos bancos de corais recém-descobertos e pouco estudados, mas já considerados raros e ricos em biodiversidade, há a possibilidade de o óleo atingir populações ribeirinhas e todo o ecossistema. “A Petrobras não conseguiria conter um vazamento em tempo de não atingir a costa e os corais da Foz do Amazonas”.
A coordenadora de Energia do iCS, Amanda Ohara, também aponta sinais contraditórios no governo federal e no Congresso. “O governo se diz pró-transição energética, mas segue lançando programas de incentivo ao gás fóssil, mantém vingente a obrigação da contratação de uma capacidade grande de termelétricas a gás fóssil, e a Petrobras insiste na exploração da Foz do Amazonas”. Para a engenheira, não existe um plano coerente de transição energética no país.
Governo não reverte obrigatoriedade de termelétricas
Sobra a contratação das termelétricas, os chamados “jabutis” incluídos na lei de privatização da Eletrobras, o presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia, Luiz Barata, destacou que o Governo Lula não se moveu para reverter essa obrigação imposta pelo Congresso. “A inclusão dos jabutis foi uma interferência do Poder Legislativo sem qualquer base técnica-econômica”, sustenta. “O que tinha ficado claro na equipe de transição para este novo governo é que haveria iniciativas para reverter o quadro, mas, infelizmente, chegamos a junho e não houve movimento”, lamentou Barata. Se mantida, a contratação dessas térmicas aumentará significativamente os custos e as emissões do setor elétrico.
O presidente da Federação dos Consumidores de Energia ressalta que o Brasil mantém as condições de continuar a ser o país com a matriz energética mais limpa, mas que a pressão do Congresso pelas térmicas não é coerente com essa possibilidade. “As térmicas são inviáveis, pois não temos como enviar o gás para as regiões onde serão instaladas. Há um movimento para que os consumidores de energia elétrica sejam os pagadores da conta para instalação dos gasodutos do Brasil, com o aumento da tarifa. Temos que repudiar, porque não faz sentido pagarmos por isso”, afirma.
Para Barata, as medidas em andamento no Executivo e no Legislativo colidem com os discursos pela transição energética justa. “Especialmente na Câmara dos Deputados, assistimos nos últimos anos a movimentações para a ampliação de subsídios para fontes renováveis e em especial para geração distribuída”, disse. “Somos favoráveis à ampliação da energia eólica e solar. São fontes mais baratas, mas não entendemos que seja razoável continuar dando ou ampliando subsídios”. Segundo ele, grande parte dos 90 milhões de consumidores de energia no Brasil paga por benefícios direcionados a menos de 2 milhões com renda mais alta, capazes de comprar esses equipamentos.
“Os consumidores precisam participar das discussões sobre o futuro da indústria de eletricidade do Brasil. Não queremos ser apenas pagadores de conta”, afirma Barata. O cumprimento do Acordo de Paris para impedir o aquecimento global acima de 1,5°C, está em risco em outras frentes. “Agora querem aumentar a produção de carros a combustível fóssil. Quando sentamos no carro e o ligamos, ao invés de andar para frente, estamos andando para trás, na contramão do desenvolvimento”.
Ex-presidente do Operador Nacional do Sistema Elétrico, Barata destaca ainda que o arcabouço do setor elétrico foi concebido em 1998 e reformado em 2004. “Está absolutamente superado, pois as bases que levaram à sua construção foram modificadas. As fontes eólica e solar já superaram a participação térmica na nossa matriz”, explica. “Além disso, quando se fez o primeiro modelo, não tínhamos geração distribuída, que é a efetiva participação do consumidor nos negócios da eletricidade. É fundamental que nós defendamos a discussão e a construção de um novo arcabouço para o setor de energia elétrica”.
Expansão do gás fóssil aumentaria emissões do GEE
O diretor regional para a América da Latina na C40 Cities, organização que reúne cerca de 100 prefeitos de cidades de todo o mundo em ações para o combate à crise climática, Ilan Cuperstein, apresentou o relatório global da entidade que mostra os custos do gás fóssil em termos de impacto para a saúde, econômicos e climáticos. Entre os dados apresentados, Cuperstein mostrou que os novos projetos de gás fóssil no Brasil aumentarão seu uso em 2% até 2050, quando deveria reduzir em 73% para estar alinhado com o cenário de 1,5°C. Segundo o estudo, os atuais planos de expansão de gás no Brasil, se concretizados, aumentariam as emissões de gases de efeito estufa em 126%.
De acordo com o relatório, o Brasil, o Vietnã e a Grécia são os países que mais apresentam projetos para gás fóssil. “No Brasil, a maior parte de plantas de produção de gás fóssil ainda está em fase de proposta. Temos então a oportunidade de debater se de fato essa é uma ação eficiente condizente com as metas climáticas do país e também condizentes do ponto de vista econômico, de eficiência do custo e de geração de emprego”, diz o diretor da C40. “O Brasil tem a capacidade de debater e definir neste momento se o que foi proposto nos últimos anos faz sentido para uma estratégia de desenvolvimento nacional”.
Cuperstein acrescenta que justificar a expansão do gás fóssil por um hipotético aumento da geração de emprego é um argumento frágil. Segundo o estudo, os investimentos em eficiência energética e em energias renováveis geram mais empregos do que os investimentos em geração fóssil. “Pelo estudo do C40, fica claro que o gás no setor elétrico é mais caro, gera menos emprego e é menos amigável ao clima, mas ainda assim segue sendo incentivado pelo governo e pelo Legislativo”, destaca Amanda Ohara.
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