Contra o terror, uma lei que limita a liberdade

Ele tem toda a razão e o seu depoimento explica pormenorizadamente a forma como a Lei de Autorização de Defesa Nacional e legislações semelhantes estão a ser usadas para obstruir as suas investigações e para intimidá-lo pessoalmente

Naomi Wolf, O Público (Lisboa)

Na semana passada, apresentei um depoimento de apoio a um processo importante movido pelo repórter Chris Hedges e outros, incluindo Daniel Ellsberg e Noam Chomsky, contra o presidente dos EUA, Barack Obama e o seu secretário de Defesa, Leon Panetta.

O processo visa impedir a implementação da nova e horrenda Lei de Autorização de Defesa Nacional, também conhecida como “Homeland Battlefield Bill”, que Obama aprovou em Dezembro. Como resultado, a “guerra ao terror” do governo dos Estados Unidos bateu-nos à porta: qualquer americano pode agora ser detido indefinidamente, sem acusação ou julgamento, em qualquer lugar, em qualquer momento, para sempre.

Como Hedges escreveu recentemente numa explicação arrepiante da razão pela qual moveu o processo, as frases cruciais da Lei de Autorização de Defesa Nacional são “substancialmente apoiada” “e” forças associadas”. Estas duas frases, argumenta, permitem ao governo expandir a definição de terrorismo para nela incluir grupos que não estiveram envolvidos nos ataques terroristas do 11 de Setembro de 2001 e que podiam mesmo nem sequer existir quando os referidos ataques aconteceram.

Segundo Hedges, “a lei pode ser usada para deter pessoas que não são membros de organizações terroristas, mas que tenham fornecido, nos termos do projecto de lei, apoio substancial até mesmo a forças associadas”.

Como Hedges aponta, nenhum destes termos está correctamente especificado; nem a lei define o que é um acto de terrorismo, ou quais as actividades daqueles que estão alegadamente “envolvidos em hostilidades contra os Estados Unidos. Como Hedges refere, “é por isso que, especialmente com a proliferação dos actos de desobediência civil, a Lei de Autorização de Defesa Nacional é tão aterradora.”

Ele tem toda a razão e o seu depoimento explica pormenorizadamente a forma como a Lei de Autorização de Defesa Nacional e legislações semelhantes estão a ser usadas para obstruir as suas investigações e para intimidá-lo pessoalmente.

Relata que foi detido por agentes da autoridade norte-americanos enquanto fazia um trabalho de reportagem no exterior e foi informado de que estava numa lista de observação. Hedges também tem consciência, tal como poucos jornalistas americanos têm, de que foi utilizada legislação semelhante para aterrorizar e intimidar jornalistas noutros países.

Hedges, ex-jornalista do The New York Times foi testemunha disso em El Salvador. Mas leis quase idênticas foram utilizadas para impedir a comunicação e a publicação de notícias e para perseguir, intimidar e até mesmo prender jornalistas, na Itália fascista, no início da Alemanha nazi, na ex-União Soviética e nos regimes militares do Chile, Argentina e Equador.

Em 29 de Março, juntei-me aos apoiantes da ação judicial num tribunal de Nova Iorque, para determinar se seria concedida aos queixosos legitimidade para contestar as acções previstas pelo governo.

Katherine O’Brien, também jornalista, descreveu a forma como foi intimidada por alguém que se identificou como agente Federal e a cofundadora do movimento Occupy London, Kai Wargalla, conta que num memorando da polícia de Londres os membros do seu grupo eram qualificados como “terroristas”.

O decorrer da audiência foi duro com o interrogatório da Juíza Federal Katherine B. Forrest aos advogados do governo. Pediu-lhes várias vezes que definissem os termos “substancialmente apoiada” e “forças associadas”, mas não obteve resposta, apesar de repetir a pergunta sete ou oito vezes.

Forrest também pediu reiteradamente – pelo menos cinco vezes – garantias de que a Lei de Autorização de Defesa Nacional não iria abranger pessoas nas mesmas condições dos demandantes: jornalistas envolvidos em trabalho de jornalismo e cidadãos envolvidos em protesto pacífico.

Novamente, os advogados de Obama e Panetta disseram sempre que não lhe poderiam fornecer tais garantias. No final do mês de Abril, as duas partes irão apresentar novos dados a juíza irá anunciar a próxima etapa do processo, após deliberar sobre a nova matéria.

Agora sabemo-lo através dos próprios advogados do governo dos EUA: esta lei pode colocar em risco os jornalistas, ou pelo menos os advogados recusam-se explicitamente a excluir esta opção para o seu cliente – e, tal como Forrest refere, eles têm “um cliente de peso”.

Os termos definidos de forma vaga são uma parte integrante do conjunto de ferramentas totalitário e começam sempre, como observa Hedges, com legislação que subverte o Estado de direito, permitindo o exercício arbitrário do poder. Esses termos ludibriam sempre, no início, jornalistas, editores e editores de jornais com ameaças de que estão colocar em risco “a segurança nacional” ou, através de relatórios que afirmam que eles estão a “apoiar” forças ilegais e funestas.

O meu próprio depoimento está de acordo com o argumento de Hedges de que os jornalistas norte-americanos já estão a modificar o seu comportamento em resposta a tais leis – e aos recentes e assustadores exemplos que têm sido feitos de editores controversos como Julian Assange da WikiLeaks.

Descrevo exemplos de histórias que eu própria não explorei, devido à intimidação oficial que essas leis representam: a decisão de não me encontrar em Londres com os prisioneiros libertados de Guantánamo, ou de divulgar uma angariação de fundos para um documentário importante sobre o bombardeamento de civis em Gaza.

Houve também uma decisão recente que foi bastante penosa – legalmente inevitável, mas que, como jornalista, me fez sentir desonesta e envergonhada – não concretizar um encontro pessoal proposto com Assange, enquanto este se encontrava em prisão domiciliária perto de Cambridge.

Eu sei que muitos outros jornalistas norte-americanos estão a tomar decisões semelhantes como resultado da Lei de Autorização de Defesa Nacional e espero que se unam a este processo, quer seja através dos seus próprios depoimentos ou enquanto requerentes. Tais leis fazem como que os jornalistas conscienciosos hesitem em fazer o que é correcto do ponto de vista profissional.

Não é apenas o jornalismo norte-americano que sofre quando uma lei como a de Autorização de Defesa Nacional ameaça jornalistas e editores. Com a legislação dos EUA e as reivindicações da autoridade executiva a dar cada vez mais poder aos presidentes dos Estados Unidos para fazer guerras, declarar toda a América como um campo de batalha, assassinar cidadãos americanos e não americanos por todo o mundo, manter presos cidadãos afegãos, iraquianos e paquistaneses indefinidamente, sem acusação ou julgamento e acusar editores australianos de espionagem, o resto do mundo necessita de jornalismo americano destemido e rigoroso.

Este é o primeiro passo para responsabilizar os líderes dos EUA à luz da legislação nacional e internacional. Infelizmente, tal responsabilização é necessária agora mais do que nunca.

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