Coaracy Fonseca escreve O Embaixador

Coaracy Fonseca- promotor de Justiça e ex-procurador Geral de Justiça

Deu uma gargalhada ao sair do quarto e buscou a aprovação do pai, que maneou a cabeça e pensou: ele é um macho.

Uma senhora franzina acorreu ao cômodo da criadagem. Ela trazia aquela dor no peito e na entranha da alma.

Ouviu-se um choro abafado, que haveria de calar. Cada qual tem sua missão, pensou o velho coronel, que escolhia a critério as criadas da casa, era fascinado pela beleza cabocla, apesar do desprezo pela gente simples.

O rapaz se tornou conhecido nos arredores, seguia os passos dos irmãos e primos, o gene era dominante, conservado pela cultura e acoitado pelas autoridades.

O jovem cruzou a adolescência. Havia chegado a hora de se situar na vida. Era o único alívio dos párias, que nada podiam, além de suportar o sofrimento.

O pai o mandou para a capital, sob os cuidados de um amigo da política, que lhe arranjou emprego na coletoria, onde aprendeu logo a maquiar balanços, subiu rapidamente na carreira burocrática.

Acostumou-se ao dinheiro fácil, o emprego se tornou insignificante para a sua ganância. Queria mais!

Os lupanares, já os conhecia a todos, para o terror das jovens sem esperança. Tinha hábitos repugnantes.

Mas numa ocasião, uma mocinha recém chegada ao cabaré lhe tocou o coração, recebeu o desprezo como resposta.

Pensou em agir brutalmente; a moça tinha a proteção de um polícia, de similar caráter. Recuou.

Ofereceu-lhe muito dinheiro, ela lhe tinha aversão. Ele chegou ao cume da indecência.

Recorreu ao pai para que intercedesse por uma melhor colocação. Um cargo mais importante, de melhor mercância.

Alguns meses depois recebeu um telegrama da sede do Ministério, havia uma vaga para o cargo de Embaixador, com alguns requisitos, dentre os quais o estado de casado.

Correu a reunir os papéis.

Foi ao cabaré e deu a última cartada, ofereceu à moça o casamento e a função de embaixatriz.

Ela não demonstrou qualquer emoção, lhe pediu uns dias para pensar. Afinal, não era uma decisão comum. Havia renúncias.

Depois que impôs algumas condições ao enlace – manter-se casta e livre – ele aquiesceu sem objeções. O casamento foi formalizado à revelia da família.

A jovem formosa tornou-se Embaixatriz, ascendeu socialmente, e foi servir no Oriente com o esposo, que a expunha como a um brilhante.

A vaidade transbordava sua áurea e assim viveu os longos anos de diplomacia. Dias maçantes, aborrecidos.

Já arrebatado por moléstia dolorosa e de pouca honra, se lembrou da sua juventude; rogava, em vão, pelas carícias da amada, que nunca as teve.

O destino não se compadeceu de sua honestidade pública e reputação ilibada.

Morreu numa tarde nublada em companhia da amada. Morreu na solidão dos não correspondidos.

A Embaixatriz, mesmo analfabeta, se adaptou facilmente à vida social elevada, manteve-se casta e livre como prometera.

A vida seguiu o seu curso, alheia às idiossincrasias.

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