Caminho equivocado

Os laços com a Espanha são muito intensos. Nos últimos 150 anos vieram para o Brasil quase 800 mil espanhóis

Heitor Bastos Tigre – O Globo

Lamentável a decisão do governo brasileiro de  dificultar o ingresso de espanhóis. Se as autoridades migratórias da  Espanha fazem o mesmo em relação aos brasileiros, sem dúvida esse é um  problema sério, que deve ser enfrentado, mas a solução não virá pelo  emprego de políticas de retaliação que agora o Brasil pretende impor.

Fechando  nossas fronteiras para espanhóis de todas as idades e origem, em nada  responsáveis pelo tratamento de que temos sido vítimas, não vai melhorar  esse embate. Sem dúvida temos outros meios de abordar o problema. E se,  porventura, nossa diplomacia não sabe como enfrentar uma crise tão  diminuta, com diálogo e compromisso recíprocos, devemos reconhecer que  já fomos mais criativos.

Os laços com a Espanha são muito  intensos. Nos últimos 150 anos vieram para o Brasil quase 800 mil  espanhóis. Gente brava, corajosa, destemida; educada; uma grupo social  que hoje representa aproximadamente 10 milhões de brasileiros de origem  espanhola! Estão em toda parte: nos bancos, nas indústrias, no comércio,  nos serviços públicos, nas casernas, no Congresso Nacional, e até mesmo  na diplomacia. Misturaram-se: agora já não são bascos, galegos,  andaluzes, catalães – são nossos tios, primos, sócios, amigos, vizinhos,  patrões. Companheiros na luta diária pela sobrevivência. Pois, então, é  essa a gente que queremos maltratar, quando pedirem para ingressar no  Brasil?!

A vinda maciça de espanhóis teve início na segunda metade  do século XIX. Primeiro, uma mão de obra rústica, para trabalhar nas  fazendas de café; mais tarde, já no século XX, deu-se início a um fluxo  migratório de trabalhadores mais qualificados, com foco na indústria.  Aos poucos, foi se criando uma comunidade espanhola. Sem dúvida, temos  uma dívida com essa gente, que nos deu suor, lágrimas e sacrifício, sem o  quê não se gera crescimento e nem se produz riqueza.

Pois bem,  agora no século XXI, que mal fez ao Brasil a nova leva de espanhóis? É  gente simples e honesta, que certamente não contribuiu para a elaboração  da política oblíqua, que impõe critérios rigorosos na seleção dos  brasileiros que podem e que não podem desembarcar. Estes que por aqui  atracam estão apenas seduzidos pelos nossos encantos, hospitalidade,  música… pelo carnaval; talvez também sintam-se atraídos pelas nossas  riquezas; talvez estejam à procura de uma nova vida. E daí? Que mal há  nisso? São aspirações legítimas. Mas nossas autoridades, incapazes de  encontrar uma solução, e reconhecendo o fracasso das negociações que  conduziram sem muita inspiração, dizem que agora o governo vai aplicar a  “lei da reciprocidade”.

Ora, não existe essa lei. Figura apenas  no imaginário de quem, na falta de envergadura para mudar a política  espanhola de imigração, que, em relação aos brasileiros, vem  efetivamente endurecendo, adota um comportamento igualmente violento e  discricionário, que, se for levado a cabo, só irá prejudicar pessoas  simples e corretas que, se pecaram, foi por terem nos prestigiado com  sua escolha de visitar o Brasil.

Até a data estabelecida (2 de  abril) para a aplicação de um padrão seletivo, confio que o governo  consiga elaborar soluções mais próximas da cadência de um samba, do que  de uma sinistra tourada.

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