Agenda internacional do agronegócio

De onde virão os recursos de que a economia brasileira vai precisar para executar um programa de reformas e de modernização do País?

José Botafogo Gonçalves- Estadão

Ao terminar o ano de 2011, a economia brasileira alcançou a sexta posição mundial em valor de produção, ilustrando inequivocamente o papel crescente que o Brasil vem desempenhando no panorama econômico e político mundial. Por outro lado, a dificuldade que o País vem encontrando em aumentar significativamente sua taxa de crescimento anual – abaixo da média sul-americana – e, sobretudo sua taxa de investimento, aquém de 20% do PIB, indica que cabe aos governantes o cumprimento de uma longa lista de deveres de casa a serem executados para que o País possa vir a combinar um crescimento econômico mais vigoroso com um programa de inclusão social mais sustentável economicamente e menos assistencialista no longo prazo.

De onde virão os recursos de que a economia brasileira vai precisar para executar um programa de reformas e de modernização do País?

A resposta é muito simples: desde 1500 o agronegócio vem provendo os recursos em moedas fortes capazes de cobrir nossos déficits de energia, matérias-primas, insumos e produtos industriais, sobretudo os de alto conteúdo tecnológico. Não é por acaso que o Brasil talvez seja o único país do mundo que leva o nome de uma commodity, muito apreciado no século 16, no caso, o pau-brasil. De lá para cá, a história de nosso comércio exterior é a história das exportações de açúcar, café, borracha, cacau, algodão, soja e, mais recentemente, carnes bovina, suína e de aves.

É importante salientar que o agronegócio brasileiro, durante cinco séculos e a despeito de inúmeras intervenções estatais, sempre foi conduzido com êxito produtivo pelo setor privado e sempre soube atender ao crescente consumo de alimentos pela população. Mais uma vez, parece que o Brasil é o único país dentro da faixa tropical que tem podido abastecer de alimentos – energéticos e proteicos – uma população em vertiginoso crescimento demográfico e distribuída por um território de dimensões continentais.

A importância do agronegócio nos últimos cinco séculos não se limita ao papel, já por si extraordinário, de abastecer mercados externos e interno com os seus produtos. Foram os recursos acumulados pelo agronegócio que permitiram que o sonho da industrialização, acalentado pelas elites governamentais e intelectuais brasileiras, a partir dos anos 40 do século 20 viesse a tornar-se realidade ao longo de todo esse século até chegarmos, hoje, ao segundo decênio do século 21, como a sexta economia do planeta.

Curiosamente, a “intelligentzia” brasileira parece envergonhar-se da capacidade competitiva do agronegócio do Brasil. Virou moda falar mal da “primarização” da balança comercial, da “desindustrialização” do aparelho produtivo, sem nenhuma evidência empírica de que isso esteja efetivamente acontecendo. O que está realmente ocorrendo, e é um fato muito preocupante, é uma perda significativa da competitividade do setor industrial brasileiro em escala mundial, em face da concorrência de emergentes mais dinâmicos, especialmente a China.

O que fazer, então, em tais circunstâncias?

Medidas de curto prazo começam a ser aplicadas pelo governo, tanto no campo legítimo dos instrumentos de defesa comercial, como no campo menos legítimo – ou menos eficaz – de medidas protecionistas mal disfarçadas, como o aumento de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) dos autos importados ou o aumento de 100 para 200 dos produtos da lista de exceção do Mercosul. O pânico é compreensível, como no caso das confecções têxteis. Em caso de incêndio, chamem-se os bombeiros, mas cuidado para que os prejuízos causados pelo rescaldo não sejam maiores do que aqueles que pudessem ser causados pelo incêndio.

A médio e longo prazos, a solução do problema da falta de competitividade industrial passa pela velha e sempre atual meta de redução do chamado custo Brasil. Investimentos em infraestrutura, reformas tributária, trabalhista e da previdência pública, melhor gestão da coisa pública e melhoria da qualidade dos gastos públicos são medidas – todas elas – urgentes e necessárias, mas tomam tempo, pois, por definição, são de médio e longo tempo de execução e maturação.

Nesse entretempo, quem vai arredondar a equação? Como sempre, o agronegócio.

O reconhecimento de que o agronegócio, nos próximos anos, continuará sendo o principal provedor de recursos externos para financiar o desenvolvimento brasileiro exige, contudo, que se faça um exercício de caráter estratégico com o objetivo de definir qual a melhor política agrícola que busque o equilíbrio entre aumento de produção e sustentabilidade, entre mercado interno e mercado externo, entre expansão de área plantada e aumento de produtividade, entre produção de alimentos ou biocombustíveis, entre pesca natural e aquicultura, entre autarquia ou integração regional de cadeias agroindustriais. No campo do comércio internacional, a articulação entre governo e sociedade se deu quase que exclusivamente no contexto das agendas negociadoras da Organização Mundial do Comércio (OMC) e, de modo especial, durante as tentativas de concretização da Rodada Doha.

É chegado o momento de incluir na agenda negociadora do comércio agrícola internacional o desafio criado pelos novos mercados consumidores asiáticos, em particular China, Índia e Indonésia, e definir novo grupo negociador, liderado pelo Brasil, que inclua os sócios do Mercosul e os vizinhos da costa do Pacífico, como Colômbia e Peru. O tema central dessa nova negociação deverá ser o seguinte: com quem ficará a maior parte do valor agregado aos produtos agrícolas processados? Ficará nas mãos do exportador ou na mão dos importadores?

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