A testemunha da sombra de um herói

Sexta-feira, 16/12/2016, 13a Vara Federal de Curitiba, Paraná. O advogado Luis Henrique Pichini Santos, assim como em todas as audiências, estudou e conversou com os outros advogados do ex-presidente Lula sobre o material para mais uma oitiva, elaborando e repassando as estratégias.

Era um dia tenso.

No centro das atenções, o triplex 164-A, do condomínio Solares, em Guarujá, litoral paulista, já conhecido como “o apartamento do Lula”.

A acusação é que este triplex supostamente tinha sido reformado pela empreiteira OAS para ser dado de presente a Lula em razão de ele supostamente ter favorecido a empreiteira, enquanto ocupava a presidência, em licitações da Petrobras.

Naquele dia 16, a defesa participou do depoimento de José Afonso Pinheiro, ex-zelador do triplex. Ele disse aquilo que o juiz Sérgio Moro queria ouvir: Lula na cadeia.

E reforçava as convicções da República de Curitiba, que encabeçava a Operação Lava Jato.

Sérgio Moro estava em alta na imprensa. Havia sido recebido, no início do mês, com pompa no Senado Federal pelo então presidente Renan Calheiros para falar de suas ideias de combate à corrupção; em 6 de dezembro daquele ano estava na premiação “Brasileiros do Ano” da revista IstoÉ. Foi neste dia que Diego Padgurschi, da Folhapress, tirou a célebre foto em que o juiz aparece cochichando e rindo ao lado de Aécio Neves, ladeados pelo presidente Michel Temer, Geraldo Alckmin, José Serra e o ex-ministro Henrique Meirelles.

Luis Henrique: advogado

Lula pediu ao CNJ que abrisse investigação para apurar a conduta do juiz no evento. No dia 15 de setembro de 2016, a defesa do ex-presidente entrou com ação judicial contra o procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato, pelo Power Point que punha Lula no centro de um gigantesco esquema de corrupção.

Naquele dia 16, na 13a Vara Federal de Curitiba, José Afonso Pinheiro, o ex-zelador do triplex, disse que o triplex de Guarujá pertencia a Lula.

A República de Curitiba alcançaria o clímax naquele dia; a defesa do ex-presidente, também.

Os advogados gravaram o tenso depoimento do ex-zelador e as reações de Sérgio Moro.

Eram testemunhas das sombras de um herói.

Atacados pelo ex-zelador- foram chamados de lixo- os advogados de Lula registraram Sérgio Moro ironizando suas táticas e defendendo a testemunha.

O bate-boca entre Moro e Cristiano Zanin Martins virou o assunto do dia.

Testemunha daquele momento, o advogado Luis Henrique Pichini Santos conta ao Repórter Nordeste o que viu. E ouviu.

Os bastidores da Lava Jato tinham, agora, uma outra versão:

Alguns funcionários (assistentes, estagiários, assessores e etc.), que sempre nos trataram respeitosamente, tinham colados em seus computadores adesivos de apoio ao Juiz Moro (“Estou com Moro” e etc).

alimentava-se a ilusão messiânica, uma cruzada heroica em que Moro e Ministério Público deveriam salvar o país e que Lula, representado por nós nas audiências, era um inimigo dessa cruzada, o qual deveria ser derrotado.

o Time Moro conferiria importância central ao depoimento de tal testemunha

Provavelmente, o juiz achou que a situação não estava sendo gravada.

Gostaria que você descrevesse como foi o seu dia 16/12/2016, antes da audiência envolvendo Sérgio Moro.
Neste dia, assim como em todas os outras que envolviam audiências, estudamos e conversamos sobre o material preparado para a oitiva, a fim de repassar a estratégia que adotaríamos.

Como era o clima seu e das demais pessoas naquela audiência, antes da oitiva de José Afonso Pinheiro?
Em todas as audiências que fizemos na 13ª Vara Federal de Curitiba/PR, sentíamos o clima de animosidade e tensão assim que entrávamos no prédio da Justiça Federal.

Inclusive, em algumas oportunidades, na porta do local, fomos hostilizados por pessoas que protestavam em favor do então juiz Moro e contra o ex-presidente Lula (novamente, aqui, a percepção de que juiz e acusado são adversários e estão em lados opostos, reforçando a quebra de imparcialidade objetiva, ou seja, a percepção ou aparência de imparcialidade).

Registro, por necessário, que sempre fomos tratados com respeito e cordialidade pelas pessoas que laboravam na Justiça Federal. A tensão a que me refiro diz respeito ao que o processo representava.

Um exemplo pode ilustrar o que quero dizer:

Alguns funcionários (assistentes, estagiários, assessores e etc.), que sempre nos trataram respeitosamente, tinham colados em seus computadores adesivos de apoio ao Juiz Moro (“Estou com Moro” e etc). Ou seja, alimentava-se a ilusão messiânica, uma cruzada heroica em que Moro e Ministério Público deveriam salvar o país e que Lula, representado por nós nas audiências, era um inimigo dessa cruzada, o qual deveria ser derrotado.

Especificamente no caso da audiência realizada no dia 16.12.2016, em que foi ouvido o Sr. José Afonso Pinheiro, lembro de uma perigosa junção de fatores que cercavam essa oitiva.

O primeiro é a óbvia ausência de impessoalidade e imparcialidade do então Juiz Moro e dos membros do Ministério Público que oficiavam nesse processo, de modo que as oitivas das testemunhas, que existem para auxiliar na elucidação dos fatos, eram direcionadas exclusivamente à tentativa de obter falar incriminatórias em desfavor do ex-Presidente Lula.

O outro ponto, relacionado especificamente a esse depoimento, era que as declarações do Sr. José Afonso Pinheiro tinham sido amplamente utilizadas na denúncia oferecida pelo Ministério Público, o que permitiu concluir que o time Moro daria relevância a esse depoimento.

Ressalto que o uso da expressão “Time Moro” é proposital, pois era assim que Juiz e MP se viam, consoante entrevista dada à Radio Jovem Pan pelo Procurador Deltan Dallagnol e os diálogos publicizados pela Operação Spoofing.

Essa noção, a de que juiz e MP estão no mesmo time, sepulta qualquer resquício de um processo penal democrático e constitucional e, por consequência, a chance de um julgamento justo.

Por fim, também tínhamos em mente que José Afonso Pinheiro tinha se aproveitado politicamente da repercussão do caso, dando entrevistas a veículos de comunicação e lançando-se candidato a vereador com o nome de campanha “Afonso do Tríplex”.

O depoimento central

Qual a importância daquele depoimento naquele instante da Lava Jato?
Como dito acima, não obstante a ausência de provas que corroborassem as declarações de José Afonso Pinheiro, tínhamos a noção de que pelo teor da denúncia oferecida, o Time Moro conferiria importância central ao depoimento de tal testemunha. E essa oitiva foi mais um ponto importante para reforçar a falta de impessoalidade e imparcialidade do Juiz Sérgio Moro.

Como dito acima, havia em relação a José Afonso Pinheiro a desconfiança de suas declarações, que não encontravam elementos de corroboração e pelo fato de ele ter tentado utilizado o caso para se alavancar eleitoralmente.

Diante de tal quadro, apresentamos a contradita da testemunha, que é um instituto processual para questionar a sua isenção.

Na audiência, procuramos registrar a fragilidade do depoimento do Sr. José Afonso Pinheiro e extrair alguns esclarecimentos sobre a sua breve carreira política, que, perdoem-me a repetição, se utilizou do caso para se impulsionar.

O então Juiz Moro, que sempre deu ampla liberdade ao Ministério Público para fazer os seus questionamentos, indeferiu praticamente todas as indagações defensivas, afirmando, de forma truculenta e genérica, que elas não tinham relação com o objeto da ação penal. No meio de tal debate, o Sr. José Afonso Pinheiro começou a proferir xingamentos contra o ex-Presidente e seus advogados presentes na audiência. Lembro que fomos, por exemplo, chamados de “bando de lixo”.

Vendo que a testemunha estava totalmente descontrolada e que tal reação fatalmente seria utilizada para sustentar a sua parcialidade, o juiz Moro a interrompeu e encerrou o depoimento.

Lembro que não rebatemos as ofensas da testemunha e nos manifestamos perante o juiz para que fosse dada continuidade à gravação, posição que foi adotada por defensores de outros acusados, também presentes no ato. No entanto, o juiz indeferiu o pedido e, antes de efetivamente encerrar a gravação, pediu desculpas à testemunha “se algumas perguntas soaram ofensivas”, não obstante o único desrespeito e destemperamento tenham advindo de José Afonso Pinheiro, não dos advogados.

Depois disso, o juiz Moro passou a desrespeitar e ironizar a Defesa Técnica do ex-presidente Lula.

Lembro que só foi possível registrar tal conduta por meio de gravação realizada pelos advogados da Defesa, o que foi feito com amparo constitucional e legal (CF, art. 5º, LV e CPC, art. 367, § 6º).

Provavelmente, o juiz achou que a situação não estava sendo gravada. Felizmente registramos, no processo e para a história, mais esse ato incompatível com o dever de impessoalidade, imparcialidade e transparência que deve permear a atividade judicante.

Até ali, quais eram as provas que a Lava Jato tinha para associar o triplex a Lula?
Primeiro, é importante pontuar que o ex-presidente Lula visitou o apartamento em uma oportunidade e Dona Marisa em duas ocasiões. Isso jamais foi negado. Dona Marisa tinha uma cota-parte, adquirida em 2005, de um apartamento comum no empreendimento, que foi inicialmente conduzido pela BANCOOP e depois passou para a OAS Empreendimentos.

Em 2013, quando Lula não era mais presidente, Léo Pinheiro convidou o ex-presidente e sua esposa a conhecerem o Edifício Solaris e a unidade triplex, pois Dona Marisa ainda detinha o crédito da cota-parte adquirida.

O ex-presidente visitou o apartamento em fevereiro de 2014, junto com Dona Marisa, que voltou ao local em agosto de 2014. Essa é a associação do ex-presidente àquele apartamento. A tese apresentada pelo Ministério Público, de que o triplex teria relação com desvios da Petrobrás, não foi comprovada nos autos do processo.

A relação que se tentou construir entre Lula e os desvios foi exclusivamente amparada em relatos de delatores como Delcídio do Amaral e Pedro Correa, cuja falta de fidedignidade foi amplamente demonstrada pela defesa nos autos do processo.

Vale lembrar que, naquele momento, tinham sido ouvidos diretores da Petrobrás e representantes das empreiteiras investigadas, que, de forma unânime e enfática, confirmaram que o ex-presidente jamais solicitou, recebeu ou aceitou promessa de vantagem indevida.

Portanto, naquele momento, a instrução havia sido extremamente favorável à tese defensiva. Chegamos ao depoimento de José Afonso Pinheiro, última testemunha de acusação, com esse cenário favorável.

Vocês discutiram ou desconfiavam em algum momento, entre os advogados, que Moro estava tendo alguma vantagem financeira ou de outro tipo ao querer condenar Lula?
Não seria ético da minha parte publicizar as discussões da Defesa Técnica sobre a estratégia processual. O que posso dizer é que tenho segurança em ratificar todas as razões e fundamentos que expusemos sobre esse tema durante os procedimentos.

Mais que isso, penso que a ausência de impessoalidade, imparcialidade e transparência, pelo então juiz Moro, é incontestável.

O que talvez tenha sido uma surpresa, que ninguém pensava no começo do caso (por volta do final de 2015 e começo de 2016) era que o interesse na condenação do ex-presidente também fazia parte de um projeto pessoal, o que ficou demonstrado com a aceitação do cargo de ministro no governo Bolsonaro.

A honra de Lula

A defesa de Lula sempre foi crítica sobre os vazamentos do pessoal de Curitiba à imprensa e hoje usa o mesmo recurso com as mensagens hackeadas. O que mudou?
É preciso fazer uma importante diferenciação. Em primeiro lugar, é relevante lembrar que o processo penal, em uma sociedade que se considere civilizada, existe para estabelecer limites ao poder punitivo do Estado e assegurar todos os direitos e garantias à pessoa que é acusada. Senão voltaríamos ao medievo, no qual havia, entre outros absurdos, penas bárbaras, confissões mediante tortura, a concentração das funções de investigar, acusar e julgar numa só pessoa e a ausência efetiva da defesa.

Os vazamentos feitos à imprensa, que foram constantes durante a operação “Lava Jato”, tinham o claro de ganhar a narrativa pública, não com a verdade, mas com a percepção da verdade que interessava aos membros da operação.

Além disso, buscou-se criar um clima de terror e pressão, no qual qualquer decisão que reconhecesse direitos e garantias aos investigados/acusados era vista como retrocesso e leniência à criminalidade.

Por fim, e não menos importante, os vazamentos atingiam gravemente a presunção de inocência dos investigados/acusados, valor básico e indispensável a um julgamento justo, que encontra previsão na Constituição e em tratados internacionais assinados pelo Brasil.

Uma das dimensões da presunção de inocência (a externa) impede a exposição do acusado, o que deve ser assegurado pelo juiz e pelo Ministério Público. Muitas vezes, a pessoa exposta na mídia como uma criminosa é posteriormente absolvida, mas o estrago à sua honra e reputação já havia sido feito, muitas vezes com caráter irreversível.

Peguemos o exemplo do ex-presidente Lula. No dia 08.03,21, o ministro Fachin [STF] reconheceu que Lula não foi julgado pelo órgão jurisdicional competente.

Ainda, há a possibilidade de a Suprema Corte reconhecer a parcialidade do então juiz Moro. E os danos à sua imagem e honra? E os traumas que um julgamento e uma prisão injusta causaram a ele e à sua família? E a impossibilidade de se despedir de seu irmão mais velho, que faleceu em 2019? E a impossibilidade de ter concorrido às eleições de 2018 (Lula era líder absoluto nas pesquisas de intenção de voto)?

Tudo isso em decorrência de um processo penal injusto e ilegítimo. Como se pode ver, os estragos são irreversíveis.
No caso das mensagens reveladas inicialmente pelo Portal The Intercept e depois por outros veículos da imprensa, trata-se de conteúdo cuja publicização não é de responsabilidade da defesa.

No âmbito processual, tais elementos constituem prova ilícita que não podem ser utilizadas para investigar ou acusar as autoridades públicas envolvidas nos diálogos, dado que sua obtenção acarretou violação aos direitos de privacidade e intimidade sem ordem judicial fundamentada.

No entanto, as conversações podem ser utilizadas em defesa das pessoas prejudicadas, conforme a melhor doutrina e a jurisprudência do STF.

Basta raciocinar, conforme dito acima, que se o devido processo penal é um instrumento de garantia do acusado, seria paradoxal e ilógico invocar tal garantia (afetada pela utilização da prova ilícita) em seu desfavor.

Considerando-se que os diálogos, cuja autenticidade já foi confirmada pela Polícia Federal, narram inúmeras violações a direitos e garantias básicas do ex-presidente e de outras pessoas acusadas, parece não restar dúvida da admissibilidade de sua utilização e a indispensabilidade de sua apreciação pelo Poder Judiciário.

O juiz imparcial apoia manifestações

Quando se convenceu que Moro era um juiz parcial?
Desde o início das investigações, antes de mesmo de estas chegarem ao ex-presidente Lula. Sempre pensei que, se o juiz é considerado um herói do combate à corrupção (e essa percepção era alimentada por Moro, conforme, por exemplo, as suas declarações públicas e o seu comparecimento a eventos e premiações), como será ele isento para assegurar os direitos e garantias da pessoa acusada por corrupção?

E além do interesse deliberado na condenação dos acusados, especialmente do ex-presidente Lula, o profundo e constante contato de Moro com elementos de prova durante a fase investigatória acarretaram o seu comprometimento psíquico com as hipóteses acusatórias.

Os estudos sobre a Teoria da Dissonância Cognitiva, realizados e debatidos por respeitáveis professores do Direito, comprovam tal alegação. Nesse ponto, a implementação do Juiz das Garantias é essencial para acabar com essa mácula no cotidiano processual penal.

Mas, se eu pudesse algum momento em que a parcialidade do então Juiz Moro ficou clara, eu citaria dois.

O primeiro é a decretação da condução coercitiva do ex-Presidente, que foi absolutamente ilegal, autoritária e pautada por interesses externos ao processo. Isso porque o ex-Presidente jamais se negou a comparecer aos atos procedimentais pelos quais foi convocado (e o art. 260 do CPP, ao dispor sobre a condução coercitiva de investigado, exige prévio e injustificado desatendimento à intimação).

Sem contar que, posteriormente, o STF declarou a inconstitucionalidade da condução coercitiva para interrogatório (ADPFs 395 e 444).

Se o acusado tem o direito constitucional de ir e ficar em silêncio, o que permite obrigá-lo a comparecer? Para tomar um café com o delegado, conforme ironiza o professor Afrânio Silva Jardim. Penso não haver dúvidas de que a condução coercitiva foi um ato de força com o objetivo de constranger e expor o ex-presidente não só como culpado, mas também como alguém extremamente perigoso. Lembremo-nos do exército de policiais, um verdadeiro cenário de guerra em frente à residência do ex-presidente.

Destaco, ainda, que a medida visou atrapalhar e surpreender o amplo exercício da defesa, conforme garante a Constituição, pois não tínhamos conhecimento dos autos dos inquéritos que tramitavam perante a Justiça Federal de Curitiba/PR, os quais tramitavam em sigilo e foram objetos das indagações feitas pela autoridade policial.

O segundo e mais evidente momento foi a publicização das conversações telefônicas interceptadas, especialmente o diálogo entre o ex-presidente Lula e a então presidenta Dilma.

A Constituição Federal e a lei n. 9.296/96 são claras ao estabelecer que a interceptação telefônica é medida excepcional para prova em investigação ou processo penal. Preveem, também, que as interceptações devem ser processadas em autos apartados, com a preservação do seu sigilo e com o descarte das conversações que não guardam relação com o objeto do procedimento penal.

Outros pontos decisivos, na parte estritamente processual, merecem ser lembrados.

O primeiro era que o então juiz, ao verificar que nas conversações havia pessoas com prerrogativas de função (dentre os quais a então presidenta da República e parlamentares federais), deveria ter determinado a imediata remessa das investigações à Suprema Corte, a quem incumbia verificar se o teor das interceptações justificava o deslocamento da competência jurisdicional.

O segundo é que o ex-Presidente Lula havia sido nomeado ministro de Estado, de modo qualquer deliberação a respeito das investigações contra ele, segundo a Constituição Federal, caberia exclusivamente ao STF.

Ou seja, sob ambos os aspectos apontados, a Justiça Federal de Curitiba/PR era inequivocamente incompetente para apreciar e decidir sobre a temática.

Também não se pode ignorar o contexto político e social que permeava o país àquela época, com o andamento do processo de impeachment contra a presidenta Dilma, num cenário de intensa mobilização e polarização da sociedade.

Não era preciso muita inteligência para saber que a divulgação de tais áudios conturbaria ainda mais a sociedade, jogando-a contra o governo e o ex-presidente.

Seria, para usar termos simples, como jogar álcool e lenha na fogueira. E foi o que aconteceu. Penso que a divulgação dos áudios e a sua exploração pelos veículos de imprensa foram fundamentais para sacramentar o impeachment da Presidenta Dilma.

É importante lembrar também que, dias antes dessa decisão, o então Juiz divulgou nota “se dizendo tocado” com as manifestações de rua feitas por parte da sociedade, manifestações que tinham como alvos centrais Lula, Dilma e o Partido dos Trabalhadores.

Veja: O juiz apoiando manifestações contra a pessoa que ele irá julgar. Como esperar imparcialidade?

E, depois, descobrimos que a divulgação dos áudios foi seletiva, com a ocultação de um áudio em que o ex-presidente dizia não querer ser ministro de Estado e que a sua aceitação só ocorreria para ajudar politicamente o governo, não para “ganhar a prerrogativa de função”, conforme afirmavam os membros da “Lava Jato”.

A situação pode ser resumida na seguinte pergunta: Por que um juiz claramente incompetente determinaria a ampla publicização de conversações telefônicas envolvendo autoridades com prerrogativa de função e de diálogos sem qualquer pertinência com a investigação em flagrante contrariedade às disposições constitucionais e legais?

Não consigo chegar a outra conclusão senão o objetivo político de prejudicar politicamente Lula e o Governo Federal. A meu ver, a conduta do Juiz Moro se enquadra no crime previsto no art. 10, da Lei n. 9.296/96.

O que acha da ideia que a Lava Jato só acabou por chegar ao PSDB?
Primeiro, considero ser necessário definir o que é “Lava Jato”. Há um preocupante discurso de generalizar e institucionalizar a operação, como se ela alcançasse todos os procedimentos envolvendo a criminalidade governamental e como se fosse uma instituição apartada e autônoma da burocracia estatal.

Isso tem o nítido objetivo de midiatizar os processos – com as consequências graves aos direitos e garantias dos investigados/acusados – e muitas vezes tentar deslocar a competência jurisdicional, violando a garantia do juiz natural.

A operação “Lava Jato”, sob as óticas técnica e processual, concerne exclusivamente das investigações e processos que envolvam fraudes relacionadas a contratos da Petrobrás. Apenas isso. O restante não tem nada a ver com a “Lava Jato”. Precisamos combater esse discurso que busca elevar a Lava Jato a um poder e uma instituição independente, que é atécnico e prejudica direitos e garantias assegurados pela legislação.

Eu concordo com a análise de que esse movimento liderado por setores do MP e do Judiciário (que vai além das autoridades públicas de Curitiba,) teve o objetivo principal de ajudar na derrubada do Governo Dilma e de inviabilizar a candidatura de Lula em 2018.

Mas também vejo muita consistência na tese de que a Lava Jato tinha um projeto de poder que passava pela destruição da classe política ou do que eles enxergavam como a “velha política”. Coincidentemente ou não, o enfraquecimento da Lava Jato começa quando ela passa a direcionar as investigações e processos contra políticos de outros campos políticos.

E também nesses casos, as arbitrariedades foram patentes. Para citar alguns exemplos, a formulação de acordo de delação com Joesley e Wesley Batista, a gravação ilegal de conversa com o ex-presidente Temer e a sua absurda prisão preventiva, a prisão preventiva do ex-deputado Eduardo Cunha.

A decisão de Fachin põe Lula no jogo eleitoral em 2022 mas também Sérgio Moro. A parcialidade de Moro impediria hoje a candidatura dele?
No cenário atual, vejo Moro como um candidato pouco competitivo, seja qual for a decisão final do STF sobre a sua suspeição.

Tem uma altíssima rejeição, não ganhará votos do campo progressista e da maior parte do eleitorado que apoia Bolsonaro. Sem contar que se mostrou uma pessoa sem qualquer tato e preparo político, visto o jeito como foi reiteradamente esculhambado pelo atual presidente, enquanto era ministro da Justiça e Segurança Pública.

Em termos eleitorais, não vejo tanto impacto a Moro se reconhecida a sua suspeição pelo STF. Acho que essa decisão meramente formalizará o que todo mundo já sabe ou deveria saber: A sua parcialidade.

No mais, com Lula de volta ao tabuleiro político, ficou ainda mais estreito o espaço para outra alternativa “moderada”. Uso as aspas porque a pretendida colocação de Lula como um candidato radical não encontra amparo na realidade. Tudo indica, portanto, que a disputa deve ficar entre Lula e Bolsonaro.

Por que Moro, um juiz parcial, não vai preso?
Segundo a Lei, o reconhecimento da suspeição não constitui crime.

A depender do caso, pode amparar um procedimento administrativo e disciplinar ou uma investigação autônoma para apurar algum delito cometido durante a sua atividade judicante, como, por exemplo, a conduta amoldável ao crime previsto no art. 10, da Lei 9.296/96.

Dessa forma, a depender de questões técnicas (como a prescrição ou a coisa julgada), Moro poderia ser investigado autonomamente por tais condutas.

Nada obstante, mais importante do que discutir a prisão ou não do ex-Juiz Moro, é que a sociedade reflita e aprenda que a figura do Juiz herói, tal qual Moro, são inegavelmente contrárias à ordem constitucional e legal.

Sua existência afasta qualquer possibilidade de um julgamento justo e, como visto, pode trazer nefastas consequências à democracia. É preciso ter isso em mente, para que no futuro não voltemos a cometer os mesmos erros.

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