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A luta de hoje, a luta de amanhã

Procuro sempre partir do dia a dia para pensar os aspectos da sociedade pois acredito no cotidiano como perpetrador de uma acurácia, uma sensibilidade única de contato com os outros e diferentes modos de vida.

A um tempo, em meus textos, falo sobre o controle do tempo livre, o tempo do lazer e do ócio, o tempo das reflexões e do desenvolvimento do pensamento abstrato. Está claro que esse tempo está sendo comprimido, retirado de nós, arrancado da existência material nas relações sociais.

Não me foge, entretanto, o entendimento de que a utilização desse tempo tem um sentido essencial na forma de organização da sociedade no capitalismo dependente em que vivemos. Que sentido? O sentido da desmobilização das forças populares através da imposição do cansaço como modus operandi das relações de trabalho e das relações interpessoais.

A tarefa árdua das classes trabalhadoras é a conciliação entre o cansaço, o trabalho e a reinvenção constante do seu modo de vida e das estruturas de suas crenças que inevitavelmente acabam na adesão cega a ideologia dominante.

Haverá tempo? Primeiramente é necessário entender que o tempo é parte essencial de qualquer processo de reestruturação, reinvenção e recondução das condições materiais e históricas para a reação sistemática aos processos políticos organizados que hoje, por exemplo, afetam a América do Sul de maneira especificamente dramática e violenta.

Logo, não há razão para acharmos que o tempo parou ou que temos regredido no tempo em perspectiva política. As formas de avanço das ideologias autoritárias, contrarrevolucionárias e reacionárias adquiriam formas particulares nos dias atuais com a influência principalmente dos meios de comunicação de massa e as redes sociais. As veias condutoras do processo de alienação do trabalho, da precarização e da servidão voluntária tem raízes na necessidade de sobrevivência material das classes trabalhadoras, mas também de sobrevivência social, de manejo da vontade e da motivação.

Parte de população, apesar de toda mobilização midiática, permanece alheia ao que acontece de fato nas subtramas dos espetáculos e cortinas de fumaça. Não se envolve, não tem opinião, não quer mais se engajar. Há uma falta de identificação sintomática com as instituições que representam os valores democráticos, pois sentem que já não as representam. Nada desse mundo político, para elas, diz respeito ao mundo da vida nas cidades, interioranas ou não. Aqui é a luta diária que faz sentido, é a venda dos serviços, das habilidades manuais, dos bicos e trabalhos informais.

O trabalho afastou-se de sua dimensão política, é uma categoria solta no meio das necessidades e urgências da vida urbana. Trabalha-se sem uma razão específica, trabalha-se porquê sim.

Foge de nós o sentido das coisas, tudo é passageiro, ligeiro, corre de mais a nossa frente. As sendas dos trabalhos temporários e precarizados moldam um indivíduo docilizado, pouco crítico, com uma identidade mais ligada ao consumo do que com a solidariedade das lutas que ao longo da história deu liga ao movimento dos trabalhadores do mundo.

É o contexto que carrega para longe das personalidades a resiliência, a possibilidade da autogestão coletiva e a regulação das lutas justas por uma vida melhor. No dia a dia firmam-se os entraves para a recondução sistemática dos processos históricos de opressão das classes trabalhadoras.

A dimensão temporal de toda essa luta, no entanto, energiza e reativa novas formas de resistência através de meios antes pouco explorados. O território da internet e das tecnologias digitais levam ao povo o conteúdo condutor da indignação através da exposição das opressões, do contato com um conteúdo formador político e crítico.

Por que não manter a esperança nas mãos do tempo, trabalhando ao lado dele, com ele, através dos vieses e vias que o terreno sociopolítico tece?

O verbo inovar, sequestrado pela ideologia neoliberal, sempre foi de pertencimento das classes subalternas. É um verbo nosso, um verbo do povo. Foi através da inovação que criamos e recriamos as lutas do passado e, portanto, deve ser o ponta pé para recriarmos as lutas de agora e as lutas do futuro. Avante!

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