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A história do alagoano pacífico que tentou matar o presidente da República

Quando Marcellino Bispo de Mello encostou, sem disparar, uma arma no peito do presidente Prudente de Morais, em 5 de novembro de 1897, a República mal havia completado 8 anos. Os alagoanos Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto ajudaram, à base da violência, a implantar o regime. Prudente de Morais era o primeiro presidente civil e o terceiro a assumir o cargo. Nascido em Itu (São Paulo), terminaria o mandato em 1898.

Marcellino entraria para a História de maneira oposta, com muitas lacunas até hoje. Afinal, como um alagoano sem crimes, lavrador pacífico, deixou o Estado e, na capital da República, virou um fanático político, um assassino?

Naquele 5 de novembro, o anspeçada (graduação de praça entre marinheiro/soldado e cabo) Marcellino carregava o plano de matar o presidente da República. Escolheu o dia em que Prudente de Morais estaria fazendo mais uma homenagem às tropas que trucidaram Canudos e seu líder Antônio Conselheiro. O marechal Carlos Machado Bittencourt acompanhava o presidente. Ele era da burocracia do Governo.

Ao chegar próximo a Prudente de Morais, Marcellino encostou a arma no peito, sem puxar o gatilho. Por que hesitou? Os seguranças perceberam e começaram a golpeá-lo com espadas. Para não morrer, buscou se defender e esfaqueou até a morte o marechal Bittencourt.

Preso, Marcellino morreu aos 22 anos, dois meses depois do crime. Cometeu suicídio na cadeia. Quem pagou para ele cometer o crime? Foi uma motivação pessoal? Estes segredos, talvez, nunca serão revelados.

A Procuradoria da República em Alagoas (antigo Ministério Público Estadual) investigou a família do alagoano. O procurador A. F. Leite Pindahyba viajou a Murici e em seu relatório de 1 de dezembro de 1897 diz que Marcellino não tinha histórico criminal. Foi ainda “um caboclo trabalhador e de bom comportamento”. Morava na casa onde nasceu, tinha 4 irmãos, era considerado bom freguês e bom pagador.

Como alguém de origem bastante humilde, que mal sabia ler e escrever, estava na cena do crime que poderia mudar os rumos da história?

“A conspiração que quis eliminar Prudente de Moraes pelo assassinato, trouxe para a cena Marcelino Bispo. A conclusão a que quisemos chegar é que somente esse ambiente confuso do início da República, seria capaz de tirar um lavrador dos sertões de Alagoas e o colocar no centro dos movimentos políticos do Brasil de então”, explica o historiador Herivelto Paiano Nascimento.

Há quem diga que Marcelino era florianista, um fanático seguidor do ex-presidente Floriano Peixoto. Outros falam que ele atuou como o instrumento de uma conspiração política, envolvendo o vice-presidente Manuel Vitoriano, que chegou a ser indiciado neste crime, mas seu nome não foi incluído na etapa final das investigações.

Com o suicídio, as lacunas da investigação não permitiram tirar conclusões definitivas sobre as motivações.

Nina Rodrigues, o famoso médico legista, escreveu o artigo “O Regicida Marcelino Bispo”: “Marcelino se enquadrava no “grupo dos degenerados violentos” reproduzindo “ponto por ponto os seus traços principais”: a idade era a mesma que possuía os “regicidas célebres”; os “laços hereditários” confirmariam as suas tendências assassinas; sua “natureza” era degenerada como a dos demais; “seu grande desenvolvimento e saliência da mandíbula” aparece como “um dos estigmas mais importantes da degeneração criminosa ou mórbida”; manifestava “desiquilíbrio ou desarmonia mental”, “instabilidade doentia” e um “misticismo exagerado”. A “execução do atentado” advém disso e nada mais é que a manifestação de uma doença claramente categorizada”, resume Herivelto Paiano Nascimento.

Pobre, descendente de índio. Crime justificado, em resumo.

De certa forma, os diagnósticos médicos daquele racismo tão em voga no início do século passado encobriram o móvel principal do crime. E as dúvidas viraram poeira na história.

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