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A espiritualidade livre de Dora Incontri

O contexto inspirador para a escrita deste texto veio de uma entrevista de Dora Incontri (que também é jornalista) ao jornalista Odilon Rios, para a Repórter Nordeste TV.

A princípio estive tomada pelo choque dos famosos comentários feitos pelas “pessoas de bem” ligadas ao conservadorismo espírita brasileiro no citado vídeo.

Contudo, ouvindo a entrevista pela segunda vez, resolvi seguir a estratégia da entrevistada e ignorar as falas da ignorância proposital e manter aqui a qualificação de um diálogo profícuo com as declarações da estudiosa espírita, que se tornou exemplo de posicionamento progressista condizente com o Espiritismo kardecista.

Já pude ouvir  de modo presencial Dora Incontri declarar que considera Allan Kardec muito mais do que um decodificador da mensagem dos espíritos, mas o próprio fundador do Espiritismo.

Para quem passou  todo tempo de experiência nas casas espíritas ouvindo os dirigentes tratarem Kardec como mero telégrafo, é óbvio que esta declaração gera espanto! Pois é preciso ter a prática de cultivo da crítica para compreender o que alimenta intencionalidades e a quais propósitos elas servem.

Quando Allan Kardec é mantido desossado, imaterial e mero transmissor das vozes dos espíritos, seus posicionamentos com relação ao Espiritismo podem ser mantidos sob o controle das interpretações federativas com mais facilidade, como é demonstrado no caso brasileiro.

Como fundador do Espiritismo, no modo afirmado por Dora Incontri, Allan Kardec ecoa muito mais próximo da história política e social, pelos vieses da filosofia e da ciência, sem danificar o teor religioso de sua espiritualidade. Segundo ela Kardec não quis fundar uma religião convencional, mas tinha profunda conexão com o divino.

Por esta razão concordamos com a afirmação da entrevistada ao dizer que as cartas de Allan Kardec (quando forem reveladas em sua totalidade) nos aproximarão da humanidade do autor das mesmas.

Apesar de ser o Espiritismo uma proposta de espiritualidade livre, a história brasileira com suas condicionantes gerou aqui um movimento espírita muito mais religioso do que racional (enfatizando uma racionalidade filosófica e científica) e conservador.

A adequação do movimento a uma elite de referência católica (religião oficial do Império) trouxe ao Espiritismo brasileiro a vantagem de multiplicar o número de espíritas, mas na medida em que estes cresciam em entendimento científico e filosófico buscavam um direcionamento progressista, afirmou Dora. Com relação a este fenômeno todos nós podemos confirmar que ainda se encontra em curso, haja vista o grito que irrompeu na atualidade brasileira com o fortalecimento das vozes contra-hegemônicas na jornada espírita.

Dentro da filosofia kardecista o Espiritismo é progressista, no entanto, pelo teor de prevalência do religiosismo conservador no meio brasileiro se faz necessário reafirmar o óbvio. Que assim seja, então! Pois estaremos unindo vozes e bradando em uníssono com aqueles que se reconhecem adeptos do livre pensamento em afinidade com Kardec.

Admitimos com Dora que o fundador do Espiritismo abriu algumas trilhas e cabe-nos a nós desenvolver e aprofundar estas trilhas. No trato do pedagogo francês como um pesquisador que desencantou a revelação espiritual, enfatizou a ciência e recomendou a manutenção do espírito crítico.

Eis a força que nos liberta de uma noção de Espiritismo submissa a médiuns, na convicção de que, quando Kardec abriu o conhecimento espiritual fez uma democratização, pois não teve ideias de fechamento do mesmo em círculos hierárquicos.

Como livre pensadora espírita reafirmo aqui outra obviedade: endosso a palavra de Dora Incontri em respeito à sua dedicação de vida à pesquisa, com vistas a atualização de uma doutrina que quando recusa olhar a ciência de frente por certo se torna caduca e atávica!

Finalizando estas linhas com a feliz reprodução da frase de Dora: Espiritismo é uma proposta de espiritualidade livre!

A entrevista concedida pode ser encontrada aqui

 

6 respostas

  1. ” Quando Allan Kardec é mantido desossado, imaterial e mero transmissor das vozes dos espíritos, seus posicionamentos com relação ao Espiritismo podem ser mantidos sob o controle das interpretações federativas com mais facilidade, como é demonstrado no caso brasileiro. ”
    Nos meus 23 anos de espiritismo nunca vi atitudes como as alegadas acima. Todos os expositores sempre falaram do papel do codificador não só na recepção das informações mas também na presença atenta para realização do trabalho. Esse ataque constante a forma federativa só pode ser atribuído a inveja ou disputa de poder, nada mais.

    ” Eis a força que nos liberta de uma noção de Espiritismo submissa a médiuns, na convicção de que, quando Kardec abriu o conhecimento espiritual fez uma democratização, pois não teve ideias de fechamento do mesmo em círculos hierárquicos.”

    A submissão a médiuns é próprio da falta de leitura e aprofundamento da leitura da literatura espírita por muitos adeptos mas não há incentivo de instituições espíritas nesta direção, o que há é o reconhecimento do trabalho e da dedicação da maioria deles ao espiritismo. O que é moralmente reprovável é esse ataque sistemático a médiuns que estão fazendo o que se propõe, a pretexto de pretensa consciência, só por discordância política. Essa reforma protestante dentro do cristianismo nós já conhecemos e sabemos o que resultou: muito mais materialismo. O espiritismo não precisa de protestantes, precisa de divulgadores da obra que nos foi entregue através de Kardec.

  2. Noto uma preocupação em discutir o veiculo e não propagar a mensagem. Muita ênfase numas tais cartas de Kardec, movimentando, inclusive, recursos para divulgá-las (vi em pagina especifica para isso no Facebook), como se isso acrescentasse algo inédito ou mesmo transformador na Doutrina trazida pelos Espiritos através de Kardec. De toda forma, vou acompanhar esse movimento com o olhar da razão, como o próprio Kardec sugeria.

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