Via (quase) Expressa e especulação imobiliária

Historiador analisa explosão demográfica no entorno da pista que concentrou projetos habitacionais, radicalizados pelo êxodo rural

Golbery Lessa- Historiador

A assim chamada Via Expressa de Maceió tem uma trajetória complicada.

Suas atribulações chegam a lembrar a vida trágica do Menino Marcelo (do qual tirou seu nome oficial), criança que sucumbiu à pobreza e virou santo popular.

Construída em 1979, no auge do Proálcool, foi projetada para tirar o tráfego de caminhões de açúcar da Avenida Fernandes Lima e, por outro lado, viabilizar a incorporação urbana de uma extensa área do município.

Com a valorização repentina dos terrenos às suas margens, reforçada pelo fato de que a COHAB-AL construiu conjuntos populares próximos à sua extremidade mais afastada do Centro, a cobiça das imobiliárias e a fragilidade do poder público edificaram o caos naquela região.

Nos últimos cinco anos, o crescimento vertiginoso da indústria da construção civil na área, impulsionado pelo programa Minha Casa, Minha Vida e por outras formas de incentivo, tem potencialidade de estrangular no médio prazo a Av. Menino Marcelo, se não ocorrer uma rápida mudança de rumos.

Entre os anos 1970 e meados dos anos 1980, o Proálcool promoveu o crescimento significativo da população empregada no campo alagoano.

Após esse período de expansão, sem o contrapeso do crescimento acelerado do setor, as tecnologias agrícolas poupadoras de força de trabalho passaram a expulsar milhares de indivíduos do mundo rural. Essas pessoas chegaram em massa à capital e demandaram moradia, transporte, trabalho, saúde, educação e lazer.

A máquina pública maceioense, marcada pelo patrimonialismo e a ineficiência, capturada por uma pequena elite empresarial subserviente às oligarquias estaduais, desempenhou muito mal suas funções e inviabilizou um crescimento urbano organizado e sustentável nos últimos quarenta anos.

As novas demandas foram supridas de maneira residual e fragmentada devido à corrupção, a negligência técnica e à conivência com a especulação imobiliária.

Se excetuarmos as capitais dos estados da região Norte, Maceió torna-se a capital brasileira que mais concentra a população do seu estado (30% dos habitantes de Alagoas). O êxodo rural radicalizou-se entre as décadas de 1980 e 1990. Grande parte dos novos habitantes passou a residir em projetos governamentais de habitação às margens da Av. Menino Marcelo.

O complexo habitacional Benedito Bentes, concluído em 1986, foi um dos poucos projetos bem construídos daquela região, entretanto está localizado a mais de dezoito quilômetros do Centro, ampliando muito o tempo gasto por seus moradores no transporte público.

O Conjunto Salvador Lira, um dos vários próximos ao Distrito Industrial, foi edificado antes de qualquer obra de macrodrenagem, o que o fez permanecer submerso em vários invernos.

O Conjunto Graciliano Ramos, cujo nome é a única homenagem da cidade a um dos grandes escritores do país e o maior orgulho dos alagoanos, ainda hoje fica alagado com uma hora de chuva.

Em vários dos conjuntos habitacionais daquela parte da cidade a estratégia especulativa foi a de retalhar a terra em lotes, construir casas de preço baixo, entregá-las em um ambiente sem infra-estrutura e deixar os moradores lutarem décadas por cada melhoria na eletricidade, no transporte público, no sistema de água, no calçamento e nos equipamentos de uso comunitário, como praças e quadras de esporte.

Pelos seus resultados perversos e irracionais, a citada estratégia deixou a suspeita de que houve um conluio entre interesses escusos das imobiliárias, das empreiteiras e de gestores públicos de vários escalões. O povo parece ter pago com décadas de desconforto o enriquecimento ilícito de uns poucos empresários, técnicos e burocratas.

Projetada para alargar-se a até oitentas metros, a chamada Via Expressa ficou comprimida pela ocupação espacial desordenada das suas margens aos seus 12 metros de largura iniciais. A ciclovia projetada para ser construída ao seu lado, obra importante para os trabalhadores e para outras camadas da população, não foi concluía devido à falta de coragem da prefeitura diante da oposição de várias empresas que construíram suas instalações praticamente no acostamento da avenida, num claro desrespeito ao ordenamento urbano.

Os muitos cruzamentos e as várias ruas que convergem para aquele logradouro tornam o trânsito perigoso e lento, com semáforos a cada dois ou três quilômetros.

As bicicletas de pais de família acossados pelo preço e a lentidão do transporte público surgem misturadas a automóveis de luxo e carroças sem nenhuma identificação luminosa.

Semáforos de dois tempos não anunciados previamente aos motoristas por placas adequadas obrigam os automóveis que trafegam na faixa rápida a mudarem abruptamente para a faixa lenta. A construção do Shopping Pátio valorizou mais um pouco a região, ajudando a multiplicar as construções e a intensificar o trânsito no curto prazo.

A descaracterização da Via Expressa e o caótico desenvolvimento urbano das suas margens demonstram que o modelo elitista, periférico e autoritário de desenvolvimento alagoano expressa-se na esfera do urbanismo como um caos urbano, água turva na qual os tubarões do mercado impõem suas leis.

Nos últimos quarenta anos, as elites da cidade e do estado não demonstraram ter um projeto minimamente racional e inclusivo para a capital alagoana. Apenas as classes trabalhadoras e os setores democráticos da classe média têm a potencialidade de construir um projeto para Maceió, de indicar as saídas para o labirinto urbano no qual o maceioense está imerso.

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