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Venda da Casal será discutida em hotel de luxo que processa e cobra R$ 1 milhão da estatal por ‘gato’

Na próxima quinta (7), um fórum patrocinado pelo Governo de Alagoas em parceria com a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), revista Exame e a empresa Híria vai discutir a privatização (ou desestatização) da Companhia de Saneamento de Alagoas (Casal). O evento acontece no hotel Ritz Lagoa da Anta, o mesmo que cobra na Justiça R$ 1 milhão da estatal, a título de danos morais.

Segundo a ação, em grau de recurso e que tramita na 7a Vara Cível da Capital, em 21 de janeiro de 2013 o abastecimento de água do hotel foi comprometido por uma ligação com a rede de esgoto.

A Casal alega que esta ligação foi clandestina- um “gato”- e responsabiliza o hotel.

Já o Ritz diz que o nome do hotel foi exposto na mídia pela estatal, comprometendo a ocupação dos leitos. O Ritz alega ter tido prejuízos também na limpeza das caixas dágua, cisterna, contratação de médicos e enfermeiros, compra de remédios etc para os hóspedes atingidos pela contaminação.

Em 21 de março de 2016, o hotel venceu uma ação na vara. O juiz Luciano Andrade de Souza escreveu na sentença:

Não poderia ser outro o resultado da conduta negligenciadora da Ré [a Casal] em não prestar o serviço público que lhe incumbe, senão a caótica situação em que se encontra o sistema de saneamento básico do Estado de Alagoas.No caso específico em análise, poder-se-ia cogitar na responsabilidade exclusiva do Autor pela iniciativa da elaboração e execução do projeto elaborado, como reclama a Ré, se não fosse a manutenção das cobranças e, consequentemente, a fiscalização que lhe é intrínseca, como comprovou o Autor

E cobra R$ 1 milhão a título de danos morais.

Entende que a propagação da notícia negativa lhe causou enorme prejuízo à imagem e que os gastos realizados com a contenção da situação, bem como os realizados em virtude das demandas judiciais oriundas daquele fato, merecem ser reparados por quem deu causa. Responsabiliza a Ré, por entender que foi desidiosa e que falhou na prestação do serviço público.

A Casal, porém, rebate os argumentos do hotel:

A Ré, por sua vez, em resposta, presta diversas informações técnicas, rebate os argumentos lançados na exordial e defende a tese de que o problema surgiu a partir de atitudes ilícitas do próprio hotel Autor, na medida em que não houve qualquer aprovação ou autorização para qualquer tipo de interligação à rede coletora preexistente

O magistrado deu ganho de causa para o hotel. A Casal recorre.

Privatização na linha do Governo

A movimentação do Governo em torno do futuro da Casal preocupa o Sindicato dos Urbanitários. Futura presidente da entidade, Dafne Orion Ceres da Silva diz que a proposta que hoje está prestes a ser executada é a iniciativa privada assumir o controle das águas. Hoje é o inverso: empresas operam o sistema mas o controle é da estatal.

Segundo ela, uma das mais importantes obras do Estado é a ampliação do sistema de abastecimento na cidade de Murici. São 10 milhões de reais dos cofres estaduais para duplicar os serviços. Só que este sistema está na lista para ficar sob controle de empresas- apesar do Estado estar levando adiante as obras.

A proposta em estudo é: entregar para a iniciativa privada  os serviços de saneamento de Maceió e mais 3 cidades metropolitanas. “Porque eles dão lucro”, diz a futura presidente.

George Santoro- secretário da Fazenda- e Maurício Quintella – da Infraestrutura- é quem discutem junto ao governador Renan Filho o futuro da Casal. Enquanto isso, no bairro do Jacintinho, o Fórum Permanente em Defesa do Saneamento Público em Alagoas, com o lema “a água é nossa”, fez circular carro de som esta semana contra a proposta levada adiante pelo Governo. O mesmo ritual acontecerá nos outros locais ad capital.

Por outro lado, no dia 7, no hotel Ritz Lagoa da Anta, Renan, Quintella e Santoro palestram no fórum “PPPs e Concessões Alagoas”. Na lista dos convidados para também falar estão: o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas; Gustavo Montezano, presidente do BNDES; Fabrício Dantas, professor da FGV e procurador de Estado no Rio; e outros integrantes do Governo alagoano.

Argumentos

Internamente, na Casal, existem as correntes dos apoiadores e contrários ao projeto.

O Governo contratou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para implantar um modelo de negócio na companhia. Busca R$ 6 bilhões- maior parte deste dinheiro via banco- para a universalização do abastecimento.

A administração estadual justifica: a companhia não tem verba suficiente para levar água e esgotos para todos, por isso a necessidade de um empréstimo e a execução destes serviços por empresas, através de uma parceria com o poder público.

E os R$ 6 bilhões vão para substituições de rede, recuperação de reservatórios mais estações de tratamento, novas ligações domiciliares, aquisição de micromedidores. Por isso, o dinheiro é necessário.

Os técnicos da Casal rejeitam a lógica do Executivo: os superávits seguidos da estatal mostram a existência de caixa, sem a necessidade de fechar o negócio com o banco, atraindo empresas num negócio bilionário, aí sim inviabilizando a Casal.

Baseiam-se nos números. A receita da companhia era de R$ 300,9 milhões em 2014; em 2017, R$ 483,8 milhões. Aumento de 60,7%. Neste mesmo período, a despesa cresceu em 34,2%.

Em 2016, lucro de R$ 7,530 milhões; em 2017, R$ 7,543 milhões. Os dois saldos positivos vieram após anos de números mergulhados no vermelho.

Relatório de engenharia, apresentado em 28 de setembro do ano passado, explica que o modelo de negócio é uma forma de privatização da companhia, porque os serviços- menos a extração da água bruta- serão realizados por empresas. “Ressalta-se que o “Parceiro” gere todos os serviços e enquanto a Casal executa apenas a produção de água e é remunerada por isso. Neste contexto, a Companhia estadual deixa de ser contratante para atuar como contratada”, destaca o relatório.

Para que o modelo de negócio dê certo, todas as cidades alagoanas têm de aderir ao projeto- situação considerada inviável. Porque nem todos os municípios são atendidos pela estatal (possuem sistemas próprios de saneamento).

E estes sistemas são superavitários, diz o Sindicato dos Urbanitários. Ou seja: dão lucro e funcionam muito bem.

É o caso do sistema de Marechal Deodoro, gerido pela Prefeitura, cujo taxa da água tem preço menor que o praticado pela Casal. O mesmo acontece em União dos Palmares.

Como justificar para a população que ela vai pagar mais caro pela água? Ou que o sistema que funciona será trocado por outro, cheio de dúvidas?

Além disso, o maior obstáculo, aponta este relatório, é que todas as leis municipais teriam de ser alteradas para que o modelo de negócio pudesse valer.

E quanto às áreas rurais nas cidades, mais distantes e, portanto, mais difícil para a chegada da água? Diz o relatório que abastecer estes lugares mais distantes implica investimentos maiores “cujo retorno é, evidentemente, impossível através de tarifas”. O modelo apresentado, diz o relatório, não tem informações a respeito destes lugares onde a chegada da água será mais cara.

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