Repórter Nordeste

Uruguai avança na luta pelos direitos individuais

Jornal do Brasil

Às vésperas da entrar em pauta de votação da Câmara dos Deputados, em Brasília, um projeto de lei que altera pontos da lei antidrogas e aumenta a repressão aos usuários (PL 7.663/2010), e a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da casa é presidida pelo pastor Marco Feliciano, crítico frequente da legalização do aborto e do casamento gay, na contramão do Brasil, um país vizinho avança na luta pelos direitos individuais do cidadão: o Uruguai.

A capital, Montevidéu, por sinal, vai sediar a próxima reunião do Mercosul, em junho. Em dezembro passado, o presidente José Mujica recebeu a presidência rotativa do órgão.

Em outubro do ano passado, os senadores uruguaios aprovaram a descriminalização do aborto para gestações de até três meses. Essa lei determina que toda mulher uruguaia com pretensões de fazer aborto seja acompanhada por uma equipe de ginecologistas, psicólogos e assistentes sociais para receber informações sobre os riscos. Se ela decidir tirar o bebê, poderá solicitar a cirurgia nos centros públicos ou privados de saúde. Em dezembro de 2012, foi a vez da aprovação com ampla maioria, na Câmara dos Deputados daquele país, do projeto de lei do matrimônio igualitário entre homossexuais e heterossexuais.
Outro projeto de lei em discussão no Congresso uruguaio, de autoria do próprio presidente do Uruguai, José Mujica, é o que pretende legalizar a venda e distribuição da maconha no país, no qual o próprio Estado seria responsável por cultivar e distribuir aos usuários. O uso pessoal da erva já é legalizado.

Na opinião do cientista político e professor de sociologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Gustavo Gomes da Costa, o avanço uruguaio em relação a essas questões, consideradas polêmicas por alguns setores da sociedade, não é de hoje.

“Em um contexto latino-americano, essas leis são um marco do ponto de vista dos direitos à liberdade individual. Nesse sentido o Uruguai, infelizmente, é uma exceção, pois a grande maioria dos países da América Latina adota atitudes conservadoras e até reacionárias. Se olharmos a história do país verificamos que, no que se refere a considerar as mudanças de costumes da sociedade, o Uruguai é uma liderança na região. Eles foram um dos primeiros países a aprovar o divórcio, por exemplo, e durante muito tempo brasileiros iam ao Uruguai para conseguir se casar novamente”, ressalta Costa.

De acordo com o cientista político, os uruguaios podem alçar uma posição de destaque no âmbito da América Latina: “Diria que a médio e longo prazo o Uruguai irá se reforçar no papel de liderança do reconhecimento das liberdades individuais, seguindo assim sua tradição”.

Já o chefe do Departamento de Ciência Política da UFRJ, Carlos Eduardo Martins, autor do livro Globalização, dependência e neoliberalismo na América Latina, pondera em relação ao progresso uruguaio poder se expandir no âmbito latino-americano. “Há uma sinergia entre mudanças nacionais e regionais na América do Sul, cada avanço social num país pressiona a mudança em outros, mas não podemos desprezar que há fortes barreiras a estes avanços. Os determinantes internos em cada país são muito importantes”, afirma.

Na opinião de Martins, é a Argentina de Cristina Kirchner a precursora de mudanças voltadas ao reconhecimento da liberdade individual dos cidadãos na América do Sul. Segundo ele, “a sociedade uruguaia é uma das mais conservadoras da região”.

“[A população] rejeitou por pequena maioria em plebiscito a revisão da lei de anistia em duas ocasiões, e quando finalmente esta foi estabelecida pelo Senado, a corte suprema a revogou” destaca o cientista político, que, no entanto, reconhece: “o caldo das mudanças político e institucionais na direção dos avanços sociais mostra o quanto o ambiente é favorável a mudanças na América do Sul”.

Na opinião da também cientista política e doutoranda do Instituto de Ciências Sociais e Políticos da Uerj (Iesp/Uerj), a uruguaia Lorena Granja, a sociedade daquele país é menos pragmática em relação a como será feita a regulamentação de determinada lei.

“Estamos falando da sociedade uruguaia, que é pequena e não é primeira vez que ela aprova avanços no sentido de reconhecer e regulamentar os direitos de seus cidadãos. Ao debater essas questões, é muito importante levá-las à sociedade civil e às organizações sociais que defendem determinado tema. Como o Uruguai é um país relativamente pequeno, fica mais fácil debater com a sociedade. No entanto, essas questões vão muito além do tamanho da sociedade do país, têm mais a ver com a relação governo-sociedade” ressalta Lorena.

Maconha: maioria é contra

Enquanto as leis que aprovam o aborto e o matrimônio gay tiveram grande apoio popular, de acordo com plebiscitos organizados pelo próprio governo uruguaio, a sociedade daquele país se posicionou amplamente contra outro projeto do presidente José Mujica, no qual o próprio Estado seria o responsável pelo cultivo e venda da maconha, embora o uso pessoal já seja descriminalizado.

Segundo o plebiscito realizado no início de dezembro do ano passado, 64% dos uruguaios se colocaram contra o projeto do presidente Mujica, enquanto 26% ficaram a favor. Os outros 10% não opinaram.

Para a uruguaia Lorena, mais importante que a aprovação do projeto, é o debate político do tema que cabe ao mundo inteiro, mas em um âmbito latino-americano. “O projeto da descriminalização está no marco da luta internacional contra o narcotráfico e tem um sentido integral, que atinge as dimensões sociais, de saúde e segurança pública. Acredito que o principal feito de Mujica nessa questão da maconha é ter se posicionado contra as políticas de repressão ao narcotráfico, que há anos não vêm dando certo, e é um dos maiores problemas na América Latina”, opina a cientista política.

Já o cientista político e professor de sociologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Gustavo Costa, o projeto de lei da venda e distribuição da maconha pelo Estado uruguaio representa uma “luz no fim do túnel”.

“Se aprovado este PL, a representatividade será muito positiva, pois se trata de um exemplo latino-americano. Muito se fala de leis desse tipo em países europeus e é muito interessante ter um exemplo na América Latina. Mais que isso, a postura uruguaia também representa uma mudança da política repressiva adotada pelos países da região em relação às drogas, que não deram certo”, ressalta o cientista político.

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