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Um triste conto interiorano

 

Certos fatos seriam menos preocupantes se não passassem de contos, efeitos da imaginação literária, a nos arrancar sorrisos ou lágrimas.

Mas este que contarei é fiel expressão de uma realidade lamentável, que nos condena a entender política e gestão pública, como jogos de carteado, onde uns ganham e outros, irremediavelmente, perdem.

Eu caminhava pelas ruas da empobrecida Matriz de Camaragibe quando uma abordagem festiva ecoou na minha direção, eram gritos vindos de uma ex-babá, pessoa que fazia parte da minha história de vida por cuidar de mim e das minhas irmãs, com façanhas inenarráveis, eivadas de molecagens, e que há tempos não reencontrava.

Sempre alegre, sempre espalhafatosa!

Instintivamente perguntei: voltou para cá? – Pois a mesma fez a vida em Maceió, trabalhando de doméstica, já sendo, hoje, avó.

– Sim, voltei por causa do meu amor, o 55, Marquinhos!

– Cuidado com essa declaração na rua, a mulher dele pode não gostar. – Respondi em tom de brincadeira, pois sabia da obviedade desse amor por um gestor público entronizado.

– A mulher dele sabe! Foi ela mesma quem disse que eu iria ganhar uma casa! Estou tão feliz!

E desenrolou a história…

– Fiz uma promessa para o Marquinhos ganhar. Quando ele ganhou, eu paguei e a mulher dele filmou tudo. Fui de joelhos da Igreja do Rosário até a Igreja do Bom Jesus.

Esterreci diante do sacrifício vão imposto por aquela fé interesseira e folclórica!

– E os seus joelhos?

– Arranhou tudo, mas fiz feliz porque vou ganhar uma casa.

– Também vai ganhar um emprego?

– Não, mas a casa vai ser suficiente, porque posso alugar e continuar morando em Maceió.

Ela fez questão de me acompanhar até a esquina, enfeitando com palavreado exuberante cada detalhe do seu sonho, segundo ela mesma, prestes a ser realizado.

Despedi-me, enfim e segui com passos lentos, na desesperança de tempos melhores para a cidade na qual cresci, onde vejo vigorar a mentalidade ruim de eleitos e eleitores, longe demais daquilo que deveria ser para o benefício da coletividade.

Sabendo que ao visitar os municípios circunvizinhos, encontrarei contos semelhantes, com algum distanciamento geográfico, apenas.

Quem vai conseguir, um dia, emancipar Alagoas das raízes coronelistas mantenedoras de currais eleitorais?

Quando esse povo votante interpretará a contento o termo cidadania?

Sem essas caracterizações na vida pública, como existir respeito aos direitos de todos?

Enquanto isso, as peripécias de corrupção política engrossam processos e virarão livros, numa história escrita de joelhos, como signo absoluto da subjugação.

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