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Um perfil da Classe Operária Alagoana no Século XXI

Operários – Tarsila do Amaral, 1933

Golbery Lessa- Historiador

O caráter pouco desenvolvido da indústria de Alagoas faz com que a classe operária local tenha, necessariamente, singularidades econômicas, culturais e políticas.

Grave erro seria o de inventar uma natureza clássica para o proletariado industrial alagoano, bem como o de atribuir-lhe as mesmas possibilidades de consciência e os mesmos objetivos políticos da classe operária de estados mais desenvolvidos.

Entretanto, também seria um erro decisivo imaginar que o operariado estadual não existe ou que tenha apenas características singulares.
Se observarmos os dados dos últimos cinqüenta anos disponíveis no IBGE, podemos notar o encolhimento relativo da classe operária e o avanço dos assalariados do setor público.

O número de comerciários também cresce significativamente e o dos trabalhadores na prestação de serviços mantém-se estável, apesar deste setor passa a ser determinante no PIB a partir de 1996.

A queda no número de operários ocorreu devido à decadência da indústria têxtil e à paralisia do processo de complexificação industrial.

A queda não foi compensada pelo grande avanço das usinas de açúcar porque o setor canavieiro usa menos força de trabalho por unidade de capital e foi um dos principais responsáveis pelo fortalecimento de variáveis determinantes do subdesenvolvimento dos outros setores da indústria.

O avanço dos canaviais sobre os tabuleiros, a partir da segunda metade dos anos 1950, espalhou manchas de um novo tipo de modernidade por todo o Leste Alagoano, construindo uma indústria com configuração geográfica peculiar: ao invés de concentrar-se para obter vantagens de escala na infra-estrutura, se espalhou para seguir sua matéria-prima.

Após a decadência da indústria têxtil, que era um dos principais espaços da militância de esquerda em Alagoas e elemento decisivo em qualquer movimentação política entre 1940 e 1960, a classe operária passou a constituir-se principalmente por trabalhadores empregados nas plantas fabris e outros setores não-agrícolas das usinas.

Ao analisarmos o desenvolvimento quantitativo desses trabalhadores entre 1996 e 2006, percebemos um crescimento expressivo e pouco notado pelos pesquisadores do número de operários canavieiros entre 2000 e 2006, período posterior à chamada reestruturação produtiva da segunda metade dos anos 1990.

Esses números são ainda mais admiráveis quando comparados com a estagnação dos postos de trabalho agrícola no mesmo setor (dramática entre 1985 e 2000).

A reestruturação do processo de trabalho nos canaviais e o aumento das escalas fabris, bem como a produção de energia do bagaço de cana, o crescimento da irrigação, o tratamento sistemático dos resíduos industriais e outras novas tarefas no interior das usinas parecem ser suficientes para explicar o aumento do número de operários industriais do setor (quase 100% entre 2000 e 2006).

E como seria a classe operária no setor informal?

No campo da informalidade, as indústrias de transformação e extrativa somadas à construção civil alcançaram, no ano de 2003, 41.894 assalariados; as duas primeiras indústrias contavam com 81% dos seus assalariados informais em empresas de apenas um empregado, enquanto este número era de quase 100% na construção civil informal.

Como a indústria de transformação tinha 111.020 trabalhadores formais em 2006 e perto de 21. 000 informais em 2003, podemos constatar que a informalidade alcançava apenas algo em torno de 16% deste setor produtivo.

Na indústria da construção civil, o quadro se inverte: apenas 35% dos assalariados escapam da informalidade.

Na variável transporte, armazenagem e comunicações, cerca de 50% dos trabalhadores são formais e 50% informais.

A observação desses dados coloca a possibilidade de comparar com certa precisão a informalidade com a formalidade em todos os setores não-agropecuários e testar a conhecida hipótese de que a maior parte dos trabalhadores alagoanos urbanos vive no espaço da informalidade laboral.

Em 2003, em um total de 467.570 trabalhadores não-agropecuários existiam 305.282 assalariados no setor formal, contra 162.288 no setor informal.

Apenas 35% estavam na informalidade, o que refuta a tese de que a maioria dos trabalhadores alagoanos não-agropecuários esteja nessa condição no início do século XXI.

Quais categorias contribuem para o predomínio da formalidade?

A administração pública entra com 31% dos trabalhadores formais, a indústria de transformação colabora com 27% e a variável comércio e reparação contribui com 12,5 % (e 45% da informalidade).

Os restantes 30% se distribuem entre as outras variáveis.

Mesmo levando em conta apenas o setor privado, os trabalhadores formais ainda seriam maioria (57%).

Os dados apresentados, relativos à primeira década do século XXI, demonstram a existência de uma classe trabalhadora não-agropecuária formada por uma vanguarda operária canavieira de cerca de 90.000 indivíduos, acompanhados por 110.000 comerciários (inclusos comerciários do setor informal e trabalhadores formais e informais em reparação) e cerca de 115.000 funcionários públicos.

Os operários da indústria de transformação, na qual os canavieiros são 76%, estão majoritariamente (80 %) ocupados em fábricas com mais de 500 empregados; de modo análogo, 75% dos funcionários públicos estão em órgãos com mais de 500 trabalhadores.

Ou seja, a vanguarda operária e os servidores públicos estão bastante concentrados em poucas empresas, o que tem implicações políticas decisivas, principalmente a facilidade potencial de sua mobilização e conscientização.

A maioria dos comerciários do setor formal (60%) está em empresas de até 19 empregados, entre aqueles do setor informal 78,5% estão em lojas com um único assalariado, quadro que se configura mais difícil para a mobilização e o avanço político, mas que não os inviabiliza.

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