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Tutmés Airan: Uma delegacia para chamar de sua

Tutmés Airan é Desembargador Coordenador de Direitos Humanos do TJ/AL

A data de hoje registra um importante avanço na proteção dos direitos humanos dos grupos vulneráveis ,com a instalação da delegacia especial dos crimes contra vulneráveis.

A delegacia, em uma justa homenagem e ato de reparação histórica, é denominada Yalorixá Tia Marcelina. Tia Marcelina, africana da costa, reconhecida como fundadora do candomblé em Maceió, foi vítima de um dos mais abjetos episódios de intolerância e racismo religioso da história do nosso país, a quebra de Xangô.

Na noite de 1º de fevereiro de 1912, Tia Marcelina teve o seu terreiro invadido por integrantes da milícia “Liga dos Republicanos Combatentes” e, mesmo sob covardes golpes de sabre, não esmoreceu. Resistiu até não aguentar mais.

A instalação da delegacia é um importantíssimo passo na arquitetura institucional de proteção aos grupos marginalizados, que já conta com Promotorias especializadas no Ministério Público Estadual, Núcleos especializados na Defensoria Pública Estadual e no âmbito do Poder Judiciário, com a 14º Vara, que tem competência exclusiva para processar e julgar os crimes contra populações vulneráveis, a que deve se somar, num futuro próximo, a patrulha dos vulneráveis, nos mesmos moldes da patrulha Maria da penha.

Lembro-me muito bem do rico processo democrático de construção coletiva da lei da criação da delegacia. Nem mesmo o caráter virtual desse processo, dada as restrições da pandemia do coronavírus, impediu-me de sentir o entusiasmo vibrante das mais de cinquenta lideranças de entidades e movimentos da sociedade civil, ligados aos diversos grupos vulneráveis, que participaram das audiências públicas.

De igual modo, recordo da imprescindível participação e aporte do Ministério Público Estadual e da Defensoria Pública Estadual, que somadas às contribuições da sociedade civil, aperfeiçoaram a minuta inicial do Projeto de Lei, elaborada, competentemente, a quatro mãos pela juíza Juliana Batistela e o secretário da coordenadoria de direitos humanos do TJ/AL, Pedro Montenegro.

Em um momento da arte do encontro que a vida, inesperadamente, nos brinda, como lembrava o poeta Vinicius de Moraes, tive a oportunidade, no brevíssimo exercício do cargo de governador do Estado,de assinar a mensagem que encaminhou o projeto de lei criando a referida delegacia à Assembleia Legislativa.

Espera-se, que o (a) delegado (a) e a equipe de policiais que estarão à frente da delegacia, para além do necessário preparo técnico exigido para a missão investigativa inerente a polícia civil,desenvolvam as competências, aqui entendidas como a capacidade de mobilizar conceitos e procedimentos, de manejar habilidades práticas, cognitivas, atitudes e valores, para enfrentar eficazmente a complexidade e a multiplicidade das formas de violências contra os grupos vulneráveis.

Deseja-se por derradeiro, que a delegacia Yalorixá Tia Marcelina, seja um espaço acolhedor, humanizado, de escuta qualificada, sigilosa, e não julgadora das pessoas vulneráveis, vitimadas por qualquer espécie de crime, enfim, uma delegacia em que as pessoas idosas e/ou com deficiências, os adeptos de religiões de matriz africana, os quilombolas, a população em situação de rua, os negros e a população LGBTQIA+, dentre outros grupos vulneráveis, possa chamar de sua.

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