Três anos após as enchentes, o lado cruel da reconstrução‏

BRANQUINHA- Três anos depois, a enchente que arrasou a cidade de Branquinha (55 quilômetros de Maceió) insiste empedroraimundo seu lado cruel.

A maioria dos 10.583 habitantes está com o nome sujo no SPC ou Serasa. Eles apostaram em linhas de crédito na reconstrução do comércio. O dinheiro chegou mas, pós-enchente, os bolsos dos branquinhenses estão cada vez mais vazios.

Sem dinheiro, não há movimento. Sem movimento, o comércio está à míngua e não houve como pagar a dívida dos bancos. Resultado: não se tem acesso nem a novas linhas de crédito ou a um simples cartão de supermercado.

Além disso, os riscos de uma nova tragédia sequer alteraram a situação das áreas de risco. Apesar de condenadas pela Defesa Civil, elas seguem habitadas. Quem tem casa nestes lugares quer gerar dinheiro: após receber uma residência nova, pensa em alugar ou vender o local condenado.

O pior de tudo: a Usina Laginha- do deputado federal João Lyra (PSD)- está fechada. Segue a lógica dos negócios do dono: uma ação no Tribunal de Justiça pode decretar a falência do congressista mais rico do Brasil.

A Laginha era a principal roda econômica da região, que era cercada por canaviais de açúcar. Hoje, o Bolsa Família e a agricultura familiar, dos trabalhadores rurais sem terra, sustentam Branquinha- uma das 19 cidades atingidas pela cheia de junho de 2010.

Pedro Raimundo tem 67 anos e toca a carroça pela estrada onde havia casas e um posto de saúde.

“Não mudou quase nada. Parece que piorou”, disse.

Branquinha é uma cidade vizinha a União dos Palmares. A maioria das terra tem dono. É do ex-governador Manoel Gomes de Barros. Poderoso e temido em Branquinha, o nome dele não aparece nas conversas.

E Pedro Raimundo segue a lógica: nada de citar Mano.

“Aqui a gente vive mas sabe a quem obedece”, conta.

José Ademir é motorista da Prefeitura. A casa dele também está em uma área de risco. Também ganhou uma casa “na parte alta”. A “parte alta” fica a três quilômetros das margens do rio Mundaú, onde estavam as casas destruídas pela tromba dágua que varreu cidades inteiras em Pernambuco e Alagoas.

“O João Lyra não pôde financiar a Usina. Ele refez toda ela, mas não funcionou”, defende o motorista.

“Hoje, os sem-terra é quem sustentam a cidade”, analisa. “É o feijão, a macaxeira e a farinha. Mas, agora está tudo caro demais. E isso piora o que já está pior”, explica o motorista.

O quilo de farinha em Branquinha custa R$ 4,80; o feijão, R$ 6.

“É comida de madame”, disse a aposentada Irene Afonso dos Santos, 75 anos.

“Já aguentei muito tempo no feijão, no charque e na farinha. Hoje, nem isso”, conta.

Na área condenada pela Defesa Civil- ao lado do rio Mundaú- dona Irene queria pedir a presidente Dilma Rousseff mais emprego e segurança. À noite, as ruas de Branquinha- uma cidade minúscula- estão tão vazias quanto o comércio de dia.
No dia 18 de junho de 2010, às sete da noite, dona Irene estava em casa. Ouviu o povo correndo e o barulho da tormenta.

“Era o inferno. Ou o fim do mundo”, resume.

A tromba d’água foi feroz. Arrasou toda a cidade.

“Se todo mundo tivesse dormindo, era muita morte”.

Três pessoas morreram nas cheias de Branquinha.

R$ 50edna

Edna dos Santos Araújo, 44 anos, recebeu uma nota de R$ 50 para três lanches da equipe. Tortas de frango, guaraná de um litro, alguns brigadeiros. Tudo deu R$ 5. Não tinha troco.

“O senhor espere aqui”.

Saiu pela rua. O motorista de um carro que levava passageiros a Maceió não tinha troco. Atravessou a rua. Do outro lado, na delegacia, nada de troco. Ela continuou a jornada. Meia horas depois, conseguiu.

“Difícil o dinheiro por aqui”, resume.

Ela tinha um mercadinho. Tudo foi destruído pela cheia. Apelou a uma vereadora que cedeu um espaço em frente à delegacia. A cheia havia carregado o telhado. As paredes resistiram . Montou uma lanchonete. Eram onze da manhã. Os R$ 50 eram o primeiro dinheiro do dia.

Logo depois, um menino entrou no estabelecimento. Veio atrás de confeitos.

“Pedi dinheiro emprestado no banco na linha de crédito, mas não liberaram. O jeito foi me arranjar. E estou no SPC. A dívida já vai em R$ 20 mil”, conta.

Os R$ 20 mil foram para tentar remontar o negócio, hoje uma lanchonete.

Três quilômetros dali, no conjunto Raimundo Nonato, a subida é dura na estrada asfaltada e sinalizada. Ali, se chama a “nova Branquinha”: 170 casas aos desabrigados das enchentes. O percurso é curto, mas, de mototáxi, o valor é salgado: R$ 3,50. Um garrafão de 20 litros de água custa R$ 4,50.

Miguel Faustino Ferreira, de 68 anos, não arrisca beber água da torneira, apesar de todo o conjunto ser novíssimo: foi inaugurado esta semana pelo coordenador do Programa da Reconstrução, o vice-governador José Thomáz Nonô (DEM).
“Olha a cor da água”. Mostra. Ferrugem puro.

miguelfaustino

“Aqui tudo é caro. O quilo de fava sai a R$ 25. Se a pessoa não quer ser roubada em casa, paga R$ 10 por mês para segurança. E se tiver negócio, custa R$ 20”, explica.

Ao lado da casa dele, uma Unidade Básica de Saúde. Ela foi construída pelo Governo. E mantida pela Prefeitura de Branquinha.

Ao lado está uma quadra de esportes. As obras estão paradas. Os trabalhadores não recebem salário.

“Era pior. A gente ficou um ano e quatro meses morando em barraca. Sabe lá o que é isso?”, pergunta o morador.

“Por isso, para mim, está tudo bom”, disse Quitéria Barbosa da Silva, de 39 anos. O cheiro e o barulho da panela de pressão denunciam: vai ter feijão no almoço.

“Tá tudo caro. Mas, a gente não reclama. Poderia ser pior”. Ela morava de aluguel antes da cheia. Ganhou casa própria. Recebe R$ 160 por três filhos no Bolsa Família.

“Não tinha nada. Só a roupa do couro”.

As 170 casas foram inauguradas na quinta-feira (6) por Nonô, que também entregou a unidade de saúde, que tem consultórios médico, odontológico e de enfermagem, uma farmácia, salas de espera, esterilização, nebulização e vacina, além de um escovódromo, copa, almoxarifado, expurgo e cinco banheiros.

Nas 19 cidades atingidas pelas cheias, o Governo entregou 7.764 casas nos municípios atingidos pelas enchentes dos rios Mundaú e Paraíba. Ao todo, são 17.747 unidades habitacionais, em 32 conjuntos residenciais, sendo construídas dentro do programa da Reconstrução.

Além disso, 3% das casas são adaptadas para deficientes físicos e há espaços destinados para equipamentos públicos, como áreas verdes, playgrounds, escola e posto de saúde, além de completa infraestrutura externa.

casasbranquinha

Durante o processo de recuperação dos municípios, foram construídos 4 dispositivos de drenagens, 4 muros de contenção, 54 pontes, 62 vias urbanas, 7 rodovias e 78 estradas.

“Mas, este muro aqui na margem do rio tem um metro de altura. Qual enchente ele vai aguentar?”, pergunta um morador sem se identificar.

“E o comércio da cidade, como fica?”, questiona outro.

Após a fanfarra das inaugurações, os desafios das enchentes ainda vão além dos números.

.