Repórter Nordeste

Treinador cego diz que “perna de pau” não tem lugar no seu time

Samara Semião Freitas
Especial de Fortaleza para o Repórter Nordeste

 

Flávio Aurélio Silva, morador da periferia de Fortaleza, ficou cego aos 20 anos. Foto: Acervo pessoal

Ser jogador de futebol é o sonho de muitos meninos pelo Brasil. E com Flávio Aurélio Silva, morador da periferia de Fortaleza, não era diferente. Mas aos 20 anos, seus planos mudaram. Atuando como volante, sofreu uma falta violenta e descolou a retina. Anos de cirurgias e tratamentos não foram o suficiente para evitar uma cegueira completa. Por amor ao futebol, o que parecia motivo para desânimo e tristeza, virou combustível para Flávio se reinventar. Hoje, aos 48 anos, ele desafia a lógica e atua como técnico de um time na periferia da cidade, o Juventude Esporte Clube.

“Eu fico na beira do campo treinando, orientando, mandando marcar, mandando tocar a bola, mandando chutar. Pelo som, eu sei onde está a bola. Se a bola está com meu time, no meu ataque, se está na defesa deles, se eles estão com a bola, sabe?”, explica Flávio.

Campeão
E para quem duvida, o esforço tem dado resultados. Flávio comanda a equipe de futebol amador mais tradicional do bairro Bom Jardim, na periferia da cidade, que reúne cerca de doze times. A equipe foi a última campeã da competição e esse ano já começou na liderança. Ele diz que recebeu um dom de Deus, e que a falta de visão não dificulta a orientação dele aos seus dezoito jogadores. “Eu grito: tira essa bola daí, toca essa bola, ‘arrepia’ zagueiro, tira essa aí! Goleiro, é tua… orienta a defesa, goleiro! Ai eu vou orientando”, complementa.

Bom humor
Flávio diz que os pernas de pau não tem vez no seu time. “Eu ‘vejo’ quando o cara perde uma bola. Quando perde uma vez, tudo bem. Mas quando perde duas, três, quatro… eu sei que aquela pessoa tá mal das pernas, não é o dia dele. Aí eu digo: compadre, você tá cansado, você não tá acertando hoje. Juiz, vai trocar. Aí eu troco”, diverte-se.

Família
Casado há 20 anos e pai de duas meninas, de 13 e 16 anos, ele trata os jogadores como se fossem membros da família. Aposentado, ele chega a gastar parte do próprio dinheiro para não faltar nenhum material para o time. “Como eu não tenho filho homem, alguns meninos que me guiam eu dou oportunidades. Eu digo: ei, meu filho, futebol é bom, é saúde, é lazer, eu faço tudo pra vocês jogarem bola. Compro até uma bola para você, pra você jogar todo dia e aprender a jogar bola.”

E se dentro de campo ele já ganhou troféus e títulos, a maior conquista vem fora das quatro linhas. “É uma alegria tirar muitos jovens das ruas, e eu tô tendo essa oportunidade”, orgulha-se.

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