Tolerância a Frustração, para quê?

* Graça Oliveira

Recebi alguns e-mails, sugerindo que o tema da tolerância a frustração, abordado na quarta-feira passada, continuasse na pauta da presente coluna.

De fato, o assunto é extremamente importante porque prescindir dessa faculdade é renunciar a um dos pilares de sustentação de uma vida psicologicamente saudável. Na verdade, vai além, tolerar frustrações é uma das condições para uma vida feliz, tanto quanto possível, tanto quanto desejável.

Propunha Aristóteles que a felicidade que se pode alcançar na vida está indissociavelmente ligada às virtudes humanas. Assim, quanto maior a generosidade, a simplicidade, a compaixão e todas as demais, maior o potencial de fruição de uma vida feliz. Se ele estava certo, como creio, não há alternativa. Antes é preciso tolerar o que não temos, o que não compreendemos, o que não somos e que nos frustra.

Assim, longe de ser uma atitude de passiva resignação, é, na realidade, uma virtude humana fundamental para o desenvolvimento de todas as outras: como crescer em coragem sem darmo-nos conta e , mais que isso, sem lidar com o medo que nos paralisa? Como aprender sem antes contemplarmos nossa ignorância? Como desenvolver habilidades sem primeiro atrapalharmo-nos com a inépcia?

Mas, qual seria a relação entre tolerar e alcançar? Não seria antes o inconformismo o verdadeiro motor propulsor da alma humana? Não resta dúvidas que não conformar-se diante dos limites ao nosso desenvolvimento é fundamental; sentir-se incomodado diante da perspectiva de não crescer é absolutamente normal. Mas, antes há que se olhar de frente o que nos incomoda, há que se agüentar e assimilar a dor do aperto, da estreiteza, da impossibilidade. No dizer de Freud, há que se tolerar a ferida narcísica.

Passos da mesma dança: tolerar primeiro para crescer depois, aceitar antes para mudar a realidade do que não temos, não somos e não vivemos. O movimento que nos põe a caminho do desenvolvimento e do crescimento não é caótico, impulsivo ou desordenado, não se inicia sem vontade e não prescinde de um mínimo de percepção de norte. Para isso, é preciso um cérebro que pense e busque nutrido por um coração que agüente e tolere.

Para movermo-nos em busca de uma habilidade é preciso dar-se conta da sua ausência e da sua necessidade. O primeiro passo é resistir à síndrome de Gabriela (eu nasci assim, eu cresci assim e sou mesmo assim, vou ser sempre assim) e começar tolerando – tanto quanto possível – que, justo ela, a tolerância, nos falte.

* Graça Oliveira é especialista e Mestre em Psiquiatria pela Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina; Especialista em Análise do Comportamento pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo; Doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo; Professora Adjunta e Coordenadora do Laboratório de Psiquiatria e Humanidades da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília .

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