Ricardo Rodrigues- Folha de São Paulo
Mais de quatro meses após uma greve de médicos legistas em Alagoas, famílias ainda não receberam o atestado de óbito de 181 vítimas de mortes violentas, cujos corpos acabaram enterrados sem perícia.
Sem as mínimas condições de trabalho, o IML de Maceió está interditado. Com isso, o Estado não tem como fazer as perícias –o que envolve a exumação dos corpos.
Um galpão provisório para as perícias está em construção e não há data para a entrega da nova sede do Instituto Médico Legal da cidade.
Sem exumações e consequente perícia, as famílias dessas 181 vítimas não conseguem o documento oficial que atesta as causas das mortes e, com isso, ficam impedidas de receber indenizações, heranças e seguros.
Esse é o caso da empregada doméstica Maria Constantino, 38. Seu filho Edigerson, 21, foi morto a tiros e, em meio à greve de legistas, foi enterrado sem atestado de óbito.
“Eu só quero justiça”, disse, depois de recorrer à Defensoria Pública do Estado para exigir a exumação.
A falta de infraestrutura do IML alagoano também prejudica Gleiciene Ferreira, 22. O marido dela, o auxiliar de pintura Luiz Carlos Araújo da Silva, 22, foi morto a tiros, num assalto, quando voltava pra casa depois do trabalho.
“Levaram o relógio, o celular e a carteira dele, e mesmo assim atiraram”, conta a viúva, enquanto segura a filha deles, de um ano, no colo.
Sem renda, ela aguarda o atestado de óbito para se cadastrar em programas sociais e receber outros benefícios.
Igor Pereira/Folhapress | ||
Maria Adeje, que ainda não recebeu o atestado de óbito de um filho assassinado em Maceió |
BALAS ALOJADAS
Durante a greve dos legistas, em junho, a maioria dos mortos a tiros foi liberada para sepultamento ainda com os projéteis alojados.
Assim, o governo enterrou com eles pistas e eventuais provas dos assassinatos. As investigações estão paradas.
“Para investigação criminal, muita coisa se perdeu, pois os corpos já estão em avançado estado de putrefação e os tecidos já não guardam mais as marcas das lesões”, afirmou o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB de Alagoas, Gilberto Irineu.
“Muita coisa foi perdida, mas uma pequena parte [que pode ser] recuperada serve de prova para concluir os inquéritos”, disse João Alfreto Tenório, diretor-geral de perícia.
As exumações são um pedido do Ministério Público, acionado pelas famílias.
Mas o Tribunal de Justiça fez um acordo com o governo do Estado: sem as novas instalações do IML de Maceió, rejeitará todos os pedidos de exumação. Não há local próprio para fazer as perícias.
Em Arapiraca (a 152 km de Maceió), o IML está funcionando, mesmo que precariamente. Lá, alguns corpos sepultados em junho foram exumados após decisão judicial.
Em Maceió, antes de iniciadas as exumações, será feita uma triagem, disse o diretor-geral da perícia de Alagoas.
A maioria é de pessoas vítimas de homicídio, mas, entre eles, há casos de atropelamentos, acidentes de trânsito, afogamentos e suicídios.
O diretor-geral do IML, Luiz Mansur, disse que compreende a situação das famílias, mas que não pode liberar o atestado de óbito sem um laudo definitivo.