Teatro Deodoro recebe cine debate sobre crime socioambiental da Braskem

Vanderlei Tenório

Hoje (18), a sala de música do Teatro Deodoro, no centro da cidade, recebe, a partir das 15h, a exibição do documentário “A Braskem passou por aqui: a catástrofe de Maceió”, dirigido por Carlos Pronzato, cineasta argentino naturalizado no Brasil.

Além de Pronzato, a arquiteta e urbanista Adriana Capretz, a jornalista Lenilda Luna, a geóloga Regla Toujanez e uma das coordenadoras do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (o MUVB), Neirevane Nunes, estarão presentes no teatro para um debate sobre os diversos aspectos que envolvem esse que é o maior crime socioambiental em curso no planeta.

“É muito importante fecharmos o ano com mais uma exibição relevante como essa, num dos espaços mais importantes de Maceió”, comemora Pronzato.
“iremos distribuir os DVD do filme àqueles que chegarem primeiro ao local de exibição”, acrescenta Pronzato.

Para o cineasta, que passeia com o documentário pelo país desde agosto e já está em Maceió com o filme pela terceira vez, o evento no Teatro Deodoro serve de “alerta” para a mineradora responsável por destruir cerca de cinco bairros na capital alagoana.

“Esse é mais um aviso, para a Braskem, de que a sociedade não está dormindo e eles estão longe de ganhar essa guerra”, explica Pronzato.

Pronzato entende o tema que documentou como uma luta em favor da vida. Em suas palavras, “é uma luta como a que se trava em muitos lugares do mundo onde empresas se aliam a governos e destroem a vida da população”.

O diretor, que mediará o debate, conta que tomou como missão divulgar, pelo Brasil afora, a tragédia humana que se abate, hoje, sobre Alagoas. “O país precisa conhecer o que a Braskem fez aqui e saber que, em Maceió, existe muita gente lutando para resgatar sua dignidade”, declara o cineasta. “No próximo ano”, promete, “meu filme estará rodando as universidades do país em diversos debates”, finaliza.

Segundo a jornalista e dirigente da Unidade Popular (UP) em Alagoas, Lenilda Luna, o Caso Braskem não tem sido abordado com a profundidade que merece. “A gravidade desse assunto, em todos os seus aspectos, merece um destaque muito maior do que tem sido dado”, opina a veterana do jornalismo.

Luna destaca que esse é um problema que deve ser amplamente discutido, já que diz respeito a toda a sociedade maceioense. “Não se tem dados concretos sobre o alcance dessa subsidência”, alerta. “Além de não sabermos quantos anos ela ainda pode durar, não sabemos qual é a real proporção geográfica que ela pode tomar.”

Breve análise do documentário:

O documentário “A Braskem passou por aqui: A catástrofe de Maceió”, reúne em 1 hora e 20 minutos, uma série de depoimentos valiosos de moradores expulsos de suas casas, pesquisadores, pequenos empresários afetados, técnicos da Defesa Civil e pessoas chave envolvidas no caso.

Carlos Pronzato passou várias semanas nos tradicionais bairros Pinheiro, Bebedouro, Mutange, Bom Parto e Farol que estão afundando em meio a 35 minas de sal-gema.

O espectador vivencia através da fotografia do filme cenas que lembram a destruição dos Budas de Bamiyan pelos talibãs afegãos em 2001, ou até mesmo as ruínas da Síria, de fato, é um cenário de campo de guerra. Guerra essa arquitetada por uma organização que pouco se importou com a população existente na região.

A catástrofe urbana resultou no êxodo de mais de 67 mil moradores, 4.500 empreendedores, 30 mil trabalhadores demitidos e 15 mil residências destruídas levando junto memórias, o passado e o futuro de todos os afetados.

É um filme para repensar projeções de nossos sentimentos em nossa relação com a cidade e qual é a nossa capacidade de resiliência. Trata-se de um quadro da natureza humana com dramas, temores e circunstâncias que orientam e determinam o agir das personagens em contraponto com a inércia das autoridades.

O documentário permite várias leituras e pode estimular a empatia e a compreensão do ser humano, fundamentais para o papel do cidadão que precisa olhar para si e para o próximo. Qualquer diretor que se dedique em fazer um documentário que não console o espectador ao mostrar um registro tão próximo do nosso dia a dia automaticamente se garante como um artista de olhar autêntico. Pronzato conquista com méritos porque a todo o momento notamos seu esmero em retratar a barbárie ocasionada pela infame Braskem.

Carlos Pronzato leva o espectador a mergulhar nos sentimentos, nas vivências mais profundas dos personagens e nas lembranças mais latentes. Através da fotografia Prozato representa a dor, a angústia, a solidão e a desolação das pessoas esquecidas.

Entretanto, o filme não traz temas que partem de perspectivas dualistas de bem e mal, pois, conforme dizia Friedrich Nietzsche (1844-1900), há certas coisas, como o amor, como a vida, que estão além do bem e do mal. O cotidiano urbano, como é possível observar ao longo do filme, mostra-se tão complexo e tão enigmático quanto uma trama shakespeariana com tons de distopia.

Sem embargo, o documentário é uma oportunidade para que o Brasil inteiro veja o que a exploração mineral predatória e sem a correta fiscalização dos órgãos públicos ambientais fez com uma das cidades cujo potencial turístico é um dos principais do nordeste. É um registro documental que permanecerá em voga durante muitos anos, fora que surge como uma forma de dar visibilidade nacional à tragédia em Alagoas que, ao contrário de Brumadinho e o Amapá, continua acontecendo, o solo continua afundando e ninguém sabe quando vai parar, e se terá mais pessoas atingidas.

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