STF investiga deputado por dois assassinatos

Júlio Campos, que se referiu a Joaquim Barbosa como “aquele ministro escuro”, é alvo de inquérito que apura a morte de duas pessoas envolvidas em disputa por terra em Mato Grosso

Eduardo Militão e Edson Sardinha- Congresso em Foco

De volta à Câmara 20 anos após ter concluído seu último mandato na Casa, o deputado Júlio Campos (DEM-MT) virou destaque nacional ao se referir ao ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal (STF), como “aquele moreno escuro”. Três semanas após aquela declaração, Júlio Campos passou à condição de único congressista brasileiro a responder atualmente pelo crime de homicídio qualificado na mais alta corte do país.

Tramita desde o último dia 15 no Supremo Tribunal Federal um inquérito (Inq 3162) que apura o envolvimento do deputado em dois assassinatos ocorridos em 2004. Segundo as investigações, o empresário Antônio Ribeiro Filho e o geólogo húngaro Nicolau Ladislau Ervin Haraly foram assassinados em São Paulo por causa de uma disputa por terras em Mato Grosso. O caso é relatado pelo ministro Marco Aurélio Mello.

Júlio Campos nega qualquer envolvimento com os crimes. “Ninguém que me conhece acredita nessa possível hipótese. Jamais cometeria um troço desses”, rechaça o ex-governador, ex-senador e ex-conselheiro do Tribunal de Contas de Mato Grosso, de volta à Câmara com 72.560 votos.

De acordo com a investigação, Júlio Campos é suspeito de ser o mandante dos crimes para se apropriar de terras com pedras preciosas. O processo se arrasta há mais de seis anos na Justiça. Subiu agora para o Supremo porque, como parlamentar, Júlio Campos só pode ser julgado pela Suprema Corte.

A Justiça de São Paulo condenou seis pessoas pela execução do crime, acusadas de duplo homicídio e formação de quadrilha. “Eles recorreram da decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo. O STJ liberou esses possíveis assassinos. Desde 2006, eles já estão em liberdade”, informa Júlio Campos ao Congresso em Foco. A Justiça não concluiu, porém, a análise sobre a eventual participação do deputado – considerado “investigado” pelo Supremo e “indiciado” pelo STJ – como mandante dos crimes.

Nos corredores do Ministério Público Federal, o que se comenta é que o caso deve ter um desfecho rápido: ou o procurador-geral recomendará logo o arquivamento ou oferecerá a denúncia. Não deverá haver novos pedidos de diligências. Os quatro volumes e vinte apensos de papel estão nas mãos do procurador geral da República, Roberto Gurgel. Caso a denúncia seja oferecida, os ministros terão de decidir se o deputado será definitivamente inocentado ou réu de uma ação penal, processo que pode resultar na condenação.

Assassinatos no Guarujá

Em 2004, o empresário Antônio Ribeiro e o geólogo Nicolau Haraly foram assassinados no Guarujá, no litoral de São Paulo. De acordo com os autos do inquérito, o crime aconteceu para ocultar a transferência da propriedade do empresário para dois “laranjas” de Júlio Campos, a secretária Nauriá Alves de Oliveira e o advogado Delci Baleeiro Souza. Funcionários ainda hoje do ex-governador, eles são apontados por Júlio como pessoas de sua inteira confiança. De acordo com as investigações à época, o solo das terras seria rico em diamantes e outras pedras preciosas.

O advogado Paulo Fabrini, que defende o deputado, Nauriá e Baleeiro, diz que os dois não eram “laranjas” do parlamentar. Mas confirma que os funcionários emprestaram seus nomes para a Agropecuária Cedrobom, dona de 87 mil hectares no norte do Mato Grosso, ser transferida do nome de Antônio Ribeiro, uma das vítimas, para o do deputado. “A empresa era enquadrada como de pequeno porte, uma EPP. Foi por uma questão contábil e fiscal”, diz. De acordo com Fabrini, “provavelmente”, a empresa já esteja hoje no nome de Júlio Campos.

Depois da transferência, a família de Ribeiro passou a reclamar de uma fraude na documentação. Isso teria acontecido antes do assassinato. Para a Procuradoria Geral da República, Júlio Campos é o autor da fraude na transferência e o mandante do crime. Fabrini nega qualquer falsificação de documentos por parte de seus três clientes. Afirma que as terras foram entregues por Ribeiro porque ele tinha dívidas com o deputado. O advogado, porém, diz que a Cedrobom, entregue como pagamento pela dívida, não tinha mais valor: as terras estavam em poder do estado e da União, não havia pedras preciosas e não havia indenização a receber.

Fabrini e Júlio Campos afirmam existir um parecer do Ministério Público de São Paulo livrando Nauriá e Baleeiro de qualquer participação em fraude ou crime. Os dois chegaram a ter pedido de prisão preventiva decretada na época dos crimes. “Por tabela”, diz o advogado, não haveria participação do deputado. A reportagem solicitou cópia do parecer ou de uma sentença judicial com esse teor, mas não recebeu retorno até o fechamento desta edição. O advogado Paulo Fabrini acrescenta que extratos de ligações dos reais executores do crime não mostraram nenhum telefonema entre eles e Júlio Campos.

Faz parte da vida

Em entrevista ao Congresso em Foco, Júlio Campos afirmou que acusações dessa natureza fazem parte da vida de um político. “Claro que isso desgasta. Mas faz parte da vida pública”, diz. Segundo o deputado, Nauriá e Baleeiro trabalham com ele há mais de 30 anos em uma de suas empresas e jamais se envolveram em qualquer irregularidade. “Há uma relação de total confiança. São pessoas boas, pode olhar a ficha deles, há apenas essa citação”, ressalta.

O deputado contou que tinha relação de amizade com Antônio Ribeiro, que chegou a ser representante de seu escritório político em Brasília quando foi governador de Mato Grosso. “Infelizmente, o filho dele fez a denúncia dizendo que eu poderia ser suspeito porque tinha sido sócio do pai dele. O filho supunha que havia falsificação de assinatura. Mas o Ministério Público de São Paulo entendeu que não havia nada”, declara o deputado.

De acordo com Júlio Campos, uma ação cível movida pela família de Ribeiro foi arquivada em 2007 no Fórum de Cuiabá. O deputado acredita que o inquérito em andamento no Supremo também terá o arquivo como destino. “Como esse inquérito não foi fechado, ao assumir a cadeira de deputado, meu foro mudou.” O caso está com o STF e o relator é o ministro Marco Aurélio Mello, que concedeu um habeas corpus para negar a quebra de sigilo fiscal de Júlio Campos quando ele ainda era conselheiro de contas do Mato Grosso. Para o deputado, o caso está esclarecido. “Os assassinos ficaram esclarecidos, foram presos, foram levados ao júri.”

Permuta e dívida

A ligação do deputado com a terra remonta ao período em que ele governou o estado. Júlio Campos foi governador de Mato Grosso entre 1983 e 1986. De acordo com o advogado Paulo Fabrini, a Agropecuária Madrugada era dona de uma área de 20 mil hectares em Nova Maringá (MT), a 369 km de Cuiabá, que havia sido invadida por posseiros de terras. O então governador desapropriou a área para assentar os sem-terra e entregou à empresa uma gleba de 87 mil hectares em Colniza (MT), a 1.000 km a noroeste da capital.

Lá, informa Fabrini, a empresa foi vendida a Antônio Ribeiro, dono da Cedrobom. Entretanto, antes de morrer, 2/3 das terras viraram um parque estadual e outro terço, um parque federal. O advogado sustenta que não há na propriedade ouro, pedras preciosas ou jazida mineral que pudessem interessar a alguém. Diz ainda que o governo do estado e a União jamais indenizaram quem quer que seja pelas terras da Cedrobom.

Mesmo assim, conta Fabrini, Júlio Campos aceitou as terras como pagamento por dívidas que Ribeiro tinha com ele. As terras podem ter alguma serventia, alega o advogado. “Ela pode gerar alguma coisa, crédito de carbono”, sugere o defensor do deputado.

Calúnia

No Supremo, Júlio Campos responde ainda a uma ação penal (AP 582) por calúnia. Segundo ele, o processo foi movido pelo ex-senador Antero Paes de Barros (PSDB) e o ex-governador Dante de Oliveira (PSDB) no calor do processo eleitoral de 1998. “Esse processo já está prescrito. Tem mais de dez anos. Não foi pra frente.” O caso é relatado pelo ministro Ayres Britto.

Júlio Campos se envolveu em polêmica com o Supremo Tribunal Federal ao defender um tratamento diferenciado na Justiça para autoridades. Em reunião na bancada do DEM, o deputado disse que os parlamentares não poderiam abrir mão do direito à prisão especial. E, curiosamente, citou o caso de um ex-deputado que renunciou ao mandato para escapar de uma condenação por tentativa de homicídio.

“Todo mundo sabe que essa história de foro privilegiado não dá em nada. O nosso amigo Ronaldo Cunha Lima precisou ter a coragem de renunciar ao cargo para não sair daqui algemado. E depois, meus amigos, você cai [sic] nas mãos daquele moreno escuro lá no Supremo, ai já viu”, disse Júlio, em referência ao ministro Joaquim Barbosa e criticando a suposta falta de proteção mútua entre os deputados. Cunha Lima renunciou ao mandato para não ser julgado no processo em que respondia por tentar assassinar o ex-governador Tarcísio Burity. A ação era relatada pelo ministro Joaquim Barbosa.

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