Repórter Nordeste

A saga de um casal gay

Um diálogo em um café da cidade de Maceió, trouxe os elementos sutis, como fios delicados de vivências, para a construção desse texto que se pretende especial para um tempo no qual o amor busca alargar cenários de expressão.
Nosso encontro; eu, Anderson Fidellis e Anderson Vasconcelos, foi marcado através de uma rede social.

O primeiro chamava minha atenção pela sanfona, a qual parece estar sempre abraçado!

O segundo, pela declarações de fé no contexto de uma igreja evangélica inclusiva, ainda novidade por aqui.

Mais do que homossexuais assumidos, são namorados, parceiros, amigos um do outro. Dividindo experiências, nem sempre fáceis, em um contexto preconceituoso e violento.

O Fidellis é acadêmico do curso de Teatro. Participando atualmente do Programa Vivência de Arte na Ufal, através da Proest. Sendo autor do Projeto Lula Vive, faz pesquisas históricas sobre o Rei do Baião, Luiz Gonzaga.

O projeto traz como proposta conhecer a história do Baião, promovendo debate aberto ao público, e acesso aos ensaios do grupo, servindo como laboratório para a comunidade acadêmica.

Segundo Fidellis, seu contato com o forró veio da infância, como neto de vigilante, acompanhava o avô e o ritmo nordestino pelo radinho, enquanto aquele dava tragos no cigarro de corda. Ao crescer, conheceu o rock, samba, funk, sem identificação. Reencontrando o Baião em 2003, no espaço da musicoteca do Sesc, religando o fio ritmico da infância.

Daí por diante, esse seria seu refúgio sagrado na cura das feridas que seriam abertas ao longo do tempo, por ser homossexual, negro e pobre.

O Vasconcelos trilhou caminhos diferentes, na mesma linha de decoberta de si mesmo, em contexto adverso. Agarrando-se, por sua vez, à proposta da igreja inclusiva, como um caminho de restabelecimento da identidade agredida por conceitos religiosos fundamentalistas.

“Somos uma igreja inclusiva, não apenas para gays, mas para todos aqueles que são rejeitados por algum motivo”. Afirma enquanto desfia suas explicações de adesão:

” A Teologia Inclusiva chegou em Maceió em 2011. Eu, desde criança fui coagido a fazer muitas coisas que não gostava. Por exemplo: não gostar de ver mulher nua, me fazia sentir anormal, mas a visão que tinha de homossexuais era de pessoas promíscuas”.

“Para me livrar da minha homossexualidade busquei várias religiões, banho de descarrego. Até que numa igreja que adota a lei da castidade isso ficou estável, porque não tinha contato com ninguém”.

“Mas me achava estranho, antinatural, e não queria ter uma conduta imoral”.

Ao falar dos conflitos, das marcas deixadas, Anderson Vasconcelos olha sempre para Anderson Fidellis, que sorri complacente.

“No percurso no qual tentamos nos entender, muita gente interfere na nossa formação. Eu chorava, orava para que Deus tirasse isso de mim. Muitas vezes acreditei que não era mais homossexual, mas foi apenas um engano dos meus sentimentos”.

“Quando eu vi a igreja inclusiva na tv, e o pastor era casado com outro pastor, fiquei encantado! Fui pesquisar, estudar, entender o que eles queriam dizer. Trazia o psicológico abalado, sem esperança, me sentindo uma pessoa abominável, como me diziam que eu era”.

“Lá na igreja fui tratado com amor, não fui apontado porque as pessoas de lá tinham o mesmo problema que eu. Ali eu vi que não era uma aberração, nem precisava ser o que as pessoas apontavam para mim”.

Preconceitos deixam marcas de sofrimento. O Fidellis relembra algumas experiências.

“Fui aluno da Escola Tavares Bastos, onde vivi intensamente a cultura. Participava do grupo de teatro da escola, onde se deu o contato com a sanfona e nasceu o “Trio Cheguei de Novo”, que tocou forró em quadrilhas, porta de lojas, festa de igreja, casamento, e até no lançamento da terceirização da merenda no município de Maceió, oportunidade essa, em que o prefeito Cicero Almeida me prometeu uma zabumba, mas nunca cumpriu”.

“Nesse periodo ganhei um concurso literário sobre Arthur Ramos, promovido pelo Conselho Regional de Medicina, que acabou me trazendo uma bolsa de estudos em uma escola particular. Aí eu senti todas as diferenças”.

“Sendo gay, negro, pobre, simples, com pouca roupa para trocar, era abandonado nos trabalhos em grupo e no intervalo. Não tinha livros, a escola me deu um, mas me tomou na frente de todo mundo, para entregar a um aluno pagante que a família estava em dificuldade”.

“Foram dois anos de tortura, servindo de chacota! Entrei em depressão, fui reprovado, abandonei a escola”!

“Busquei refúgio na arte, buscava na música o socorro que pedia em silêncio para não frustrar as expectativas da minha mãe! Voltei para a escola pública, e no meio dos pobres e dos enjeitados, me sentia mais humano”.

Voltamos ao relato empolgado do Vasconcelos, com sua nova igreja:

“Quando estava em transtorno, eu pensava: já que vou para o inferno mesmo, vou me prostituir. Não posso ter Deus, não posso me salvar, vou ficar com qualquer um! Pensava assim”.

“Hoje me sinto livre, feliz, transformado! Gosto muito mais de mim, não sou uma abominação! Minha vida é pautada no amor. Não valorizo quem diz que gay não pode ter religião. Deus não vira as costas para mim”.

“Meu objetivo é implantar a igreja inclusiva e resgatar pessoas que se mutilam, que podem cometer suicídio. Luto contra isso porque sei como é ruim!”

Quanto ao romance, é só felicidade! Ambos concordam com a projeção do casamento, casa própria, independência e filhos!

Fidellis arremata: “O amor que sentimos um pelo outro, não é diabólico. Como uma coisa tão pura pode ser ruim?”
Nessa história de bullying, fundamentalismo religioso e toda sorte de preconceitos e discriminações, a superação pela arte e pela fé. Nada mais a comentar, porém, muito a refletir.

Contatos para conhecer os projetos nos quais estão envolvidos:

www.incluindoemcristo.weebly.com
www.lulavive.blogspot.com
www.alagoassempreconceitos.blogspot.com

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