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Ser alagoano é…

Ser alagoano é saber que a desilusão não deve ser bandeira em tempo algum, pois quando o contexto traz a hostilidade, nós podemos apresentar resistência. Quando os tempos forem de amarguras, podemos manter a esperança e grafar as nossas dores na areia da praia.

Reconhecendo, assim, a necessidade e a importância de escrever nossas histórias com a certeza de que elas são constituídas e também constituintes dessa história maior da nação, aquela escrita com o H que representa a verdade histórica.

Salve então, Alagoas! Que todo sangue aqui derramado possa manter a transcendência do doloroso martírio que simboliza o recomeço das mentalidades, a terra prometida.

Pelo gingado das mãos de todas as benzedeiras que orquestram a dança dos galhos de arruda, pião-roxo ou vassourinha, diante da fraqueza do meu corpo e da fé meu espírito, ao ordenar ao quebranto a partida em definitivo para as ondas do mar-sem-fim, eu escolho recusar o desencanto.

De corpo fechado, de alma molhada nos banhos de espada-de-São-Jorge, possamos nós todos alcançar a graça de sairmos inteiros em moral, firmeza política e intelectual, para recusar o mal estabelecido e reverenciar a liberdade dos sobreviventes.

Sabemos que nenhum martírio consegue algemar os sonhos, nem sentenciar o espírito, se nosso treino mantiver o vínculo com os guerreiros ancestrais, céleres subidores de serras e beneficiários de encostas íngremes.

Pois mesmo aqueles que cercaram as terras e abriram sulcos nas vidas alheias com o pisoteio do gado, a ferir o roçado, abortando o milho na boneca; mais a semente do feijão, da fava, maxixe e quiabo, macaxeira e abóbora, que levariam nutrição à mesa crioula, não conseguiram impedir o renascimento, a chegada do broto, renovando a ameaça de outras auroras. Os dias continuam despencando do azul do céu…

Somos aqueles que andam pelas estradas de outras idas. Guardamos as mãos das manchas de sangue, mas nosso silêncio denuncia, nosso cantar chora e nossas preces ressuscitam a memória dos ancestrais.

Não há solidão para quem caminha construindo e reconstruindo identidades. mesmo quando jogados na periferia da história conseguimos perceber outras poesias, embora sintamos que a obra prima é nossa própria carne, corpo ferido, arquejante; será a alma de nossa gente que fará valer a jornada.

Se as noites de pouco lume foram apagadas, os testemunhos das estrelas durarão incontáveis eras, porque estrela, mesmo quando morre é luminescência. E o segredo dessa sobrevivência foi revelado aos que aprenderam a ler os círculos lunares. Gente de tato, visão e olfato, e transmutação secular em planta, pedra, bicho e gente outra vez.

Nunca se finda a história de gente assim. Nem mesmo a bala e a tirania matam esse existir. Somos o povo que reza e consegue confundir o inimigo “com a três palavras ditas e retornadas”…pela cantilena das benzedeiras com suas benzenções, como fizeram Dona Doça e Dona Isabel. Símbolos de cura das dores geradas pela maldade humana.

Por essa razão, nossos nomes não serão apagados da história, assim como o Quilombo Muquém guarda a marca de um pé de Zumbi dos Palmares em um lajedo, Alagoas nos protege da fúria de nós mesmos. A esta terra nossos pêsames e nossas celebrações; a cada morte cruel um novo nascimento, para esperançar.

Fique escruto nas pedras dos rios que abraçam o mar, essa imorredoura passagem. Deixando em nossas crianças o desejo de descobertas cativantes, em linhas onde a violência não possa entrar.

Nestes chorosos a aclamados 200 anos de Alagoas, a voz do nosso silêncio grave neste tempo…Alexystaine Laurindo, mártir alagoano, em consciência de renovação.

 

LAURINDO, A. Cláudia. 200 anos de Alagoas: análise socioantropológica. Maceió: CBA, 2017.

SOBRE O AUTOR

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