Sem exclusão

A Lei 10.216 prevê a internação compulsória como medida a ser adotada por juiz competente

Pedro Paulo Gastalho de Bicalho -O Globo

O  modelo psiquiátrico clássico restringiu o espaço de atenção à saúde à  sua natureza biológica e organicista, centrando as estratégias  terapêuticas no indivíduo extraído do contexto familiar e social. Desta  forma, a instituição psiquiátrica tornou-se o locus de tratamento e a  psiquiatria o saber competente, tornando a relação tutelar um dos  pilares constitutivos das práticas denominadas manicomiais.

A  transformação e a construção de uma outra lógica de cuidado consistiu,  principalmente, na ruptura do sistema coercitivo e na problematização de  seu funcionamento cotidiano, movimento que no Brasil denominamos  “reforma psiquiátrica”, resultando na Lei 10.216, que desde 2001 passa a  produzir diretrizes para as políticas de saúde mental em nosso país,  ferramenta legal que nos serve para afirmarmos a problematização dos  processos homogeneizantes de exclusão, de destruição subjetiva e de  cronicidade política.

A Lei 10.216 prevê a internação compulsória  como medida a ser adotada por juiz competente. Disto se depreende que a  mesma deve ser parte de um processo judicial, ou seja, decorrência da  adoção de uma medida de segurança, tendo em vista o cometimento de ato  infracional por parte do usuário. Entendemos, portanto, que  compulsoriedade não é estratégia de cuidado. E não podemos admitir a  introdução de aplicação de medida jurídica fora de um processo judicial.

Carecemos  de políticas públicas transversais pautadas na ética e na promoção dos  direitos humanos, que não reduzam a condição de sujeitos a objetos de  intervenção e que contemplem a complexidade que o tema das drogas nos  sugere.

Políticas de acolhimento não são práticas de recolhimento.  Enfrenta-se o rompimento de laços sociais com o fortalecimento de  vínculos e, deste modo, não podemos reduzir nossa discussão à  perspectiva do indivíduo que consome ou do indivíduo que trafica. É  preciso tornar coletiva nossa discussão e, deste modo, construir  estratégias comprometidas com a chamada lógica de território. Um  tratamento que não seja marcado pela repressão ou pela imposição de uma  norma que sirva para dar conta de um castigo que remeta a uma  transgressão. O que precisamos é fortalecer e ampliar a rede de Centros  de Atenção Psicossocial com funcionamento ininterrupto, a adoção de  medidas como consultório de rua, o entendimento de que cuidado não é  segregar ou medicar, somente.

Em nome da proteção e do cuidado que  formas de sofrimento e exclusão temos produzido? É preciso que  estejamos atentos às formas de exclusão que – muitas vezes de forma  invisível e sutil – constituímos como política de intervenção.  Enfrentaremos a questão das drogas no Brasil quando “acolhimento” não  for mais sinônimo de monitoramento, vigilância e tutela.

Entendo e  afirmo a urgência dessa discussão, mas sobretudo chamo a atenção para o  perigo de construir respostas antes mesmo de formular perguntas.  Precisamos ampliar e qualificar nosso debate, na direção de uma política  solidária com o sofrimento e de um cuidado que não produza mais  sofrimento pela via da exclusão.

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