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Saúde mental frente ao novo coronavírus

Os esforços para conter o avanço do coronavírus e seus efeitos na saúde pública recrutou os estudos de diversas áreas para esta finalidade.

Os conhecimentos produzidos pela Psicologia, tais como pesquisas, protocolos, modelos psicoterápicos e aconselhamento para pacientes, familiares e equipe de saúde foram inclusos nos planos de ação (ver Xiang et al, 2020).

A Comissão Nacional de Saúde da China lançou em janeiro deste ano os princípios básicos para intervenção em crises psicológicas para pneumonia 2019-nCOV baseado em intervenções utilizadas no surto de SARS em 2003 (ver Comissão Nacional de Saúde da China, 2020)

A rapidez da ação dos chineses na contenção e redução do impacto psicossocial do novo coronavirus está associada, em meio a tantos outros fatores, à capacidade de união dos esforços do Estado para uma ação diretiva e comum dos órgãos de saúde.

O surto de SARS em 2003 também deu a experiência necessária para o manejo das intervenções psicológicas em caráter emergencial, o que tornou as medidas mais efetivas e em tempo recorde. Estudos dessa época, por exemplo, mostraram o aparecimento de sintomas de Transtorno de Estresse Pós-traumático (TEPT) em profissionais de saúde e funcionários de hospitais (ver Wu et al, 2009)

A situação epidêmica traz à tona o desconhecimento e a falta de controle do evento. Isto desencadeia percepções relacionadas aos riscos que influenciam diretamente ao desenvolvimento do TEPT. Outras pesquisas identificaram que ser do sexo feminino e ter baixa renda, por exemplo, são fatores sociodemográficos críticos.

Nestes estudos o surgimento de sintomas associados ao TEPT está ligado a exposição a eventos traumáticos decorrentes da epidemia de SARS. Trabalhadores que tiveram altos níveis de exposição a pacientes infectados ou tiveram amigos e familiares infectados, apresentaram também altos níveis de sintomas de estresse pós-traumático e evidenciarem a persistência dos sintomas ao longo do tempo.

O trabalho no hospital pode ser estressante por vários motivos, mas sem dúvidas a situação epidêmica potencializa os efeitos do estresse no trabalho.

Logo, em relação a Covid-19, os eventos podem ser semelhantes e isto requer atuação coordenada e sistemática dentro dos hospitais no suporte psicológico a profissionais que, além de lidarem com os pacientes, podem ter que lidar com falta de EPIs e com o impacto do clima político-ideológico que surge no contexto brasileiro durante o surto de coronavírus.

Também ficou evidente o papel fundamental de programas governamentais na disseminação de informação e conscientização como forma de controle da situação de desastre, no entanto, há pouca clareza em relação a efeitos negativos da informação como fator ansiogênico.

Cabe salientar, em nosso caso, a incapacidade de coesão nos programas governamentais brasileiros que acabam deixando espaço para interpretações dúbias das informações sobre a evolução da epidemia. Um descompasso entre poder executivo, parte dos ministros e da população abre margens para a propagação de teorias conspiratórias e anticiência.

Estes fatores não podem ser ignorados na atuação do Psicólogo devido ao nascimento da hostilidade de uma parte da população que já está sendo direcionada aos profissionais de saúde que invariavelmente se colocam contra as orientações do então presidente.

Em relação aos pacientes com SARS os estudos apontavam que podiam apresentar sentimento de culpa, raiva e medo pela saúde da família e amigos. O medo do estigma e da perda da renda também foram identificados. Tédio e solidão fizeram parte da rotina na quarentena destes pacientes, onde o isolamento social era catalizador da ansiedade e da tristeza. O surgimento do estigma e do racismo estavam presentes no surto de SARS em 2003 associado a narrativa da “origem chinesa” (ver Maunder et al, 2003).

O crescimento de posturas racistas e xenofóbicas estão presente no surto deste novo coronavírus, sobretudo por questões ideológicas e eleitorais. Vale um texto especificamente sobre isso em breve. No entanto, é interessante ressaltar a importância da Psicologia na compreensão e intervenção neste fenômeno, a fim de evitar discriminação e violência.

Cada instituição trabalhará com a dinâmica fornecida pelos processos grupais, as relações de poder e as percepções das funções da cada profissional e suas possibilidades. Logo, entra em cena a liderança como fator de coesão de grupo e de manejo de intervenções junto a equipe.

O modelo de adaptação ao estresse envolve psicoeducação sobre os seus efeitos físicos e psicofisiológicos bem como a compreensão de que ele é universalmente experimentado em situações extraordinárias da vida. Isto inclui sentir ansiedade e preocupação, vistas aqui não de forma patológica mas realinhadas a pensamentos mais funcionais e comportamentos mais adaptativos.

Se estas ações contarem com o alicerce de informações confiáveis e uma estrutura de recomendações e orientações previamente estudadas pelos órgãos competentes na ação de contenção e preparação para picos de infecção, as intervenções podem ser bem sucedidas na medida que contarem com o apoio da população, dos pacientes, dos familiares e dos profissionais da saúde.

O trabalho é cooperativo e o enfrentamento dos riscos que ele representa passa pela forma como adquirimos resiliência e desenvolvemos estratégias de coping neste contexto.

 

Saiba mais:

COMISSÃO NACIONAL DE SAÚDE DA CHINA. Princípios para intervenção de emergência em crises psicológicas para a nova pneumonia por coronavírus. 27 de Janeiro, 2020. Disponível em: <http://www.nhc.gov.cn/jkj/s3577/202001/6adc08b966594253b2b791be5c3b9467.shtml>.

MAUNDER, R. et al. The immediate psychological and occupational impacto f the 2003 SARS outbreak in a teaching hospital. CMAJ, vol. 168, n. 10, p. 1245-1251, 2003. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC154178/>.

WU, P. et al. The Psychological Impacto f the SARS Epidemic on Hospital Employees in China: Exposure, Risk Perception, and Altruistic Acceptance of Risk. Can J Psychiatry, vol. 54, n. 5, p. 306-311, 2009. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3780353/>.

XIANG, Y. et al. Timely mental health care for the 2019 novel coronavirus outbreak is urgently needed. The Lancet, 2020. Disponível em: <https://www.thelancet.com/journals/lanpsy/article/PIIS2215-0366(20)30046-8/fulltext>.

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