Salários, produtividade e pleno emprego no Brasil

Bráulio Borges- Valor Econômico 

Umas das perguntas que mais vêm sendo feitas pelos analistas econômicos nos últimos anos é a seguinte: o Brasil está ou não está em uma situação de pleno emprego?

Com a taxa de desemprego medida pela PME/IBGE em 5,5% da PEA na média de 2012 e com rendimentos reais crescendo na faixa de 3 a 4% ao ano, (muito acima de qualquer estimativa de ganhos de produtividade para a economia brasileira), é muito difícil negar o diagnóstico de que estejamos em pleno emprego ou, muito provavelmente, além dele- ou seja, um desemprego efetivo abaixo do natural.

Esse diagnóstico, em conjunto com a observação da dinâmica inflacionária e do Produto Interno (PIB) efetivo, traz como consequência inescapável a percepção de que o PIB potencial brasileiro despencou para 3% ou menos nos últimos anos (vindo de cerca de 4% alguns anos atrás). Isso porque o crescimento médio de pouco menos de 2% ao ano em 2011-12 não foi suficiente para alterar o quadro de ociosidade no mercado de trabalho.

Há alguns analistas que rejeitam esse diagnóstico de um mercado de trabalho superaquecido, apontando que ainda há mão de obra passível de ser incorporada à produção – seja porque ainda há um contingente razoável de pessoas dispostas a trabalhar na População Não Economicamente Ativa (PNEA) ou porque muitos trabalhadores podem estar sendo subutilizados (já que a PME/IBGE considera como ocupada toda pessoa que tenha trabalhado pelo menos uma hora na semana de referência).

Não obstante, essas análises tomam como referência os dados da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE, que engloba apenas as seis maiores regiões metropolitanas brasileiras (que respondem por apenas 30% do total dos ocupados no Brasil). Alguns poucos analistas também acompanham a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) metropolitana, consolidada pelo Seade/Dieese e que engloba as mesmas regiões metropolitanas da PME, com exceção do Rio de Janeiro, mas acrescentando o Distrito Federal.

O setor agropecuário, que corresponde a 15% do emprego nacional, tem peso nulo na PME. E causa discrepâncias

Mas o ideal seria ter uma série de dados em alta frequência da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (Pnad). Contudo, essa pesquisa do IBGE é apenas anual (mensurando o desemprego nos meses de setembro). A comparação das taxas de desemprego de setembro de cada ano da PME, da PED e da Pnad indica que a PME está perdendo importância, nos últimos anos, como um indicador representativo do mercado de trabalho brasileiro. Ademais, essa comparação também aponta que a evolução da PED pode ser utilizada para construir uma proxy mensal do desemprego da Pnad, já que suas dinâmicas são semelhantes e a distância entre suas taxas é relativamente estável ao longo do tempo.

Essa proxy aponta que o desemprego nacional parou de cair em meados de 2011 (justamente o período a partir do qual a economia brasileira sofreu uma desaceleração mais significativa) e começou a subir moderadamente na segunda metade de 2012, fechando o ano em pouco menos de 7% da PEA em termos dessazonalizados, vindo de 6,5% no final de 2011. Na média de 2012, a taxa de desemprego nacional deve ter sido de 6,7% (contra 6,6% na média de 2011), ante 5,5% da PME/IBGE (vinda de 6% em 2011).

Essa disparidade entre as duas taxas de desemprego também é observada na evolução dos salários. A tabela apresenta os ganhos reais salariais de três pesquisas: a PME/IBGE, a pesquisa de dissídios salariais feita pelo Dieese junto às classes de trabalhadores mais representativas do Brasil e a Pnad/IBGE.

Essa disparidade entre as duas taxas de desemprego também é observada na evolução dos salários. A tabela apresenta os ganhos reais salariais de três pesquisas: a PME/IBGE, a pesquisa de dissídios salariais feita pelo Dieese junto às classes de trabalhadores mais representativas do Brasil e a Pnad/IBGE.

Os ganhos reais dos salários ficaram na faixa de 3% a 4% nos últimos quatro anos segundo a PME/IBGE, percentual que cai para perto de 1,5% ao ano quando se consideram os ganhos reais dos dissídios dos trabalhadores sindicalizados e os dados da Pnad (que engloba todos os trabalhadores brasileiros). A mesma tabela aponta que, na média dos últimos anos, o ganho médio de produtividade nacional situou-se em torno de 2% ao ano. Ou seja: os ganhos reais dos salários em nível nacional estão correndo um pouco abaixo da tendência da produtividade, o que sugere que o Brasil ainda não chegou ao pleno-emprego (embora estejamos bem perto dele, uma vez que essa diferença entre rendimento e produtividade vem se estreitando).

O principal motivo por trás dessa discrepância da PME é a composição do emprego. O setor agropecuário, que corresponde a cerca de 15% do emprego nacional, tem peso nulo na PME. Ademais, os serviços prestados às empresas, que em nível nacional correspondem a 5% dos ocupados, têm essa participação triplicada na PME. Há diferenças também no emprego no setor público (11% no Brasil, 16% na PME). Por outro lado, o emprego industrial pesa 15% na PME, contra 20% no Brasil.

Mas, e a inflação? Por que ela seguiu próxima de 6% em 2012, a despeito do aumento da ociosidade do mercado de trabalho brasileiro e também da indústria? Em minha opinião, isso é explicado pela combinação de três fatores: 1) choque agrícola adverso nos EUA no 3º trimestre (que elevou os preços da soja e milho em quase 25% no período); 2) depreciação de quase 17% do real em relação ao dólar em 2012 (a maior desde os 25% de 2002); e 3) aumento de 25% a 40% dos fretes rodoviários a partir de meados do ano passado, por conta da chamada Lei dos Caminhoneiros (12.619/12). Não fossem esses três fatores, provavelmente teríamos tido um IPCA próximo ou mesmo abaixo de 4,5% em 2012. Não custa lembrar que, em meados de julho, quando boa parte desses três fatores ainda não era uma realidade, a expectativa de consenso apontava um IPCA fechando o ano em 4,9%.

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