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Ressocialização é um mito

Ana Cláudia Laurindo- Cientista Social

A Sociologia é um descampado, onde cada sociólogo pode fincar suas compreensões acerca das complexidades sociais e se tornar um teórico. Sem mergulhar profundo, sem buscar a isenção absoluta, como socióloga vou fincando minhas compreensões, partindo de sérias análises, sob a influência de outros teóricos.

Tenho acompanhado atentamente alguns debates e registrado falas de pessoas estratégicas dentro da estrutura social montada para a garantia dos direitos e deveres sociais, sobre a temática da ressocialização de menores infratores e outras modalidades de dissidência do modelo de relação considerado legítimo.

Inicio afirmando, sob a compreensão construída que o termo ressocialização não tem real funcionalidade, antes, tem gerado discursos no intuito de legitimar práticas e ações a justificar o trabalho do Estado ou da sociedade civil organizada para as lides com os dissidentes do sistema considerado parâmetro de socialização.

Nossos parâmetros de sociedade estão baseados nos modelos burgueses de produção e reprodução econômica, cultural , religiosa etc. Segundo este padrão social, apenas os que estão submetidos à sua lógica estão socializados. Mesmo aqueles que foram intencionalmente postos nas periferias dos direitos e na miséria calculada, devem aceitar as regras do jogo para serem considerados cidadãos.

Nenhum sistema conseguirá abarcar o todo! A própria lógica do capital estimulou o surgimento de grupos paralelos aos ditames da burguesia, contudo, tão socializados como aqueles primeiramente legitimados.

Quem negará as regras do crime? A sociedade do tráfico não terá normas, compensações e punições em tribunais severos? Não existem relações amorosas, familiares e de trabalho nesse contexto crescente de sociedade urbana?

Assim sendo, os considerados pela legislação brasileira, menores infratores, transitam entre as regras dos dois sistemas de socialização.
Uma vertente de análise pode nos conduzir à compreensão de que o grande sistema, o considerado legítimo, não tem conseguido reter em seu raio de submissão grande número de crianças, adolescentes e jovens, que encontram no outro modelo de socialização, que lhe oferece desde cedo possibilidades de acesso ao dinheiro e ao consumo.

A lógica de socialização daquilo que comumente chamamos de mundo do crime, onde estes jovens estão envolvidos (e quando cometem delitos, estranhamente não os chamamos criminosos, apenas infratores!) aplica a força da bala como regra inquestionável, que a todos iguala. Todos respeitam-na.

As compensações, contudo, são imediatas. O que não acontece na socialização classista, onde as exclusões separam imensamente o trabalho do consumo, tendo por acréscimo exigências de formação que filtram cada vez mais os acessos.

Obviamente essa discussão não se encerra em poucas linhas. Diante do aumento incrível de assassinatos cometidos por menores, há urgência de abrir o debate, a despeito da resistência de grupos fechados em propostas ociosas, é a sociedade que precisa amadurecer seu entendimento dos fatos para promover mudanças de auto-gestão pública.

Está se tornando risível a fala de promotores das tais ações de ressocialização quando fazem publicamente ingênuas alusões às carências afetivas, como motores do crime.

Quando na verdade o que gera os tais desvios de conduta para outras formas de socialização, é a mesma fonte geratriz da fome, do analfabetismo e da impunidade, ou seja, as ingerências políticas e suas iníquas concentrações de renda e relações prostituídas de poder.
Ao sair dos sistemas de “ressocialização” burgueses, retornarão ao crime.

Onde apesar dos riscos, existe uma fonte de renda a seu dispor. Não importa se o tempo de vida previsto para eles é curto, além da rápida substituição, o tempo de vida dos que estão do lado burguês do sistema também não tem sido muito longo, e os matadores são menores.

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