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Reprodução ou crítica: Psicologia sem classe?

 A história de todas as sociedades que já existiram é a história da luta de classes. (Marx; Engels. O Manifesto Comunista)

O processo de profissionalização em qualquer área do conhecimento passa pela interação de atores sociais sob a função de formar.

Instituições sociais assumem esta função e dentro de suas prerrogativas estabelecem noções de sujeito, de humanidade e de entendimento da função social de cada conhecimento.

A relação dos psicólogos(as) com a Psicologia é mediada por esses atores sociais, estas instituições que fazem parte do desenvolvimento intelectual e humano a partir da aprendizagem (família, escola, universidade).

Logo, cabe a nós a noção de que como seres sociais e que se desenvolvem através das relações sociais, reproduzimos noções, representações e signos como instrumentos para a compreensão do mundo, agindo sobre ele (ver Vygotsky).

Reprodução aqui não é um mero ato de repetição, mas um processo dinâmico de criação de condições materiais e ideológicas para a manutenção de uma ordem societária.

Reproduzir, para o humano, é investir, através de seus processos psicológicos e condições biologicamente herdadas, nas categorias e possibilidades essencialmente materiais e simbólicas com o fim específico, nem sempre consciente, de manter, conservar e apreender uma dada realidade historicamente condicionada.

Se estamos reproduzindo condições materiais e simbólicas em nome de uma ordem historicamente construída que não está gerando condições de desenvolvimento seguras e promissoras para o bem-estar e para a qualidade de vida, estamos falhando enquanto profissionais?

A resposta não é simples. No entanto, as perguntas se alargam se formos mais a fundo: se falhamos, a quem serve esta falha? Que instituições, que classe, que país, que sistema socioeconômico colabora com esta cisão entre Psicologia e população?

Neste ponto, concordo com Botomé (p. 188):

“É oportuno reiterar a pergunta: é o conhecimento científico um recurso de dominação a instrumentar profissionais autônomos para a “cura” de indivíduos com problemas, dificuldades ou sofrimento? Ou deveríamos alterar isso e ensinar, nas escolas de Psicologia, a prevenir os problemas e a promover melhores condições para a ocorrência de comportamentos humanos mais significativos, mais relevantes para as interações das pessoas na constituição de um país em que valha a pena viver em uma extensão muito maior do que o atendimento individual? Qual o caminho que escolhemos ou escolheremos como estudantes, como psicólogos, como professores de Psicologia, como pesquisadores dessa área ou como administradores de tudo isso?”.

Se podemos pensar, imaginar e criar, a partir dos instrumentos internos e processos psicológicos superiores, como, afinal de contas, estamos pensando a Psicologia e quais os paradigmas que devemos superar para um salto qualitativo na forma como trabalhamos?

No último texto (veja aqui), comentei sobre a existência de uma divisão internacional da Psicologia e partindo desta visão estou defendendo a perspectiva de que existe um conflito fundamental, as lutas de classes (ver Losurdo), que se interpõe ao desenvolvimento da ciência psicológica para todos, incluindo aqui, nossas possibilidades além do mercado de trabalho comumente aceito.

Se existe um conflito social fundamental que cria condições para que uma maioria fique em desamparo em detrimento de uma minoria, não podemos isentar a ciência psicológica desta disputa entre classes antagônicas.

O conflito se dá em várias esferas, mas sem dúvidas é preciso entender que o comportamento do psicólogo(a) e sua intervenção estão diretamente ligados a uma lógica de reprodução. O significado de suas práticas é o resultado de sua práxis (veja aqui), isto é, de sua ação ideologicamente orientada na compreensão dos sujeitos.

Quando surgem as condições para produzirmos, nós, outros modos de vida, outras reflexões e contextos, como aglutinar forças para transformar? Qual direção tomar para que esta mudança aconteça?

Alerta Botomé (p. 191):

Não somos apenas psicólogos. Também administramos os recursos, condições e oportunidades que podem produzir novos caminhos para as pessoas que estão envolvidas, direta ou indiretamente, com o trabalho da Psicologia. As oportunidades de trabalho, as verbas de pesquisa, os tipos de curso ou de estágios que oferecemos, as publicações que decidimos apresentar à sociedade e as situações profissionais que construímos ou viabilizamos para nós ou para outros darão uma direção, orientação ou ritmo ao desenvolvimento da Psicologia.

As contradições que são inerentes a sociedade precisam dar margens a uma síntese, aquela que faz da dialética o caminho para a solução de problemas e a criação de alternativas frente aos jogos de forças que comprimem a Psicologia e os psicólogos(as) num caminho regressivo e distante.

Não podemos tornar o compromisso social um jargão, esvaziando de sentido a luta que envolve consciência de classe e desenvolvimento concreto de uma Psicologia para além do capital.

Saiba mais:

BOTOMÉ, S. P. A quem nós, psicólogos, servimos de fato? Cap. 9, p. 169-202. In: YAMAMOTO, O. H.; COSTA, A. L. F. (orgs). Escritos sobre a profissão do psicólogo no Brasil. Natal, RN: EDUFRN, 2010.

LOSURDO, D. A luta de classes: uma história política e filosófica. São Paulo: Boitempo, 2015.

MARX. K.; ENGELS, F. O manifesto Comunista. Disponível em: < https://www.marxists.org/portugues/marx/1848/ManifestoDoPartidoComunista/cap1.htm>.

VYGOTSKI, L. S. A Formação Social da Mente. 4ª ed. São Paulo: Editora Martins Fontes Ltda, 1991.

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