Afeita a memórias. Reconheço. E na primeira pessoa relato o encontro com o bilhete.
Ele escreveu para mim em um pedaço de papel que estava sobre a mesa.
Na ocasião participávamos de um debate sobre violência em Alagoas, no auditório de uma faculdade particular, em Maceió.
O antigo professor de graduação, com a disciplina Realidade Alagoana, estava junto da ex-aluna; lado a lado, no carinho que marcava todos os nossos encontros.
Como mestre era exigente, e não admitia que ninguém arrastasse o pé durante uma aula, porque segundo dizia, atrapalhava o pensamento, comprometia sua narrativa.
Quando estava afim, diminuía a tensão contando historietas, e nunca esquecia o trabalho de um aluno que transplantara um monte para o meio do Atlântico tentando justificar as grandes navegações. Sorria dizendo que talvez aquele monte fosse algo que ninguém mais via, apenas o estudante que precisava vê-lo para embasar uma teoria. E desfiava uma piada comum entre sociólogos, onde todos pretendiam ser o teórico.
Eu gostava daquelas aulas, já no último ano de graduação, fechando o tempo para a corrida pelo TCC.
Sávio Almeida, após esse período, nunca mais me chamou de aluna. Era amigo. Mestre. Guru. Uma das mais queridas referências na construção das escritas sobre Alagoas.
A noite marcante na qual recebi esse bilhete, ficou eternizada em sua escrita. Algo tão imenso mas capaz de ser guardado dentro da minha carteira por anos a fio. Quando ele partiu para a vida espiritual, resolvi fotografar para conservar neste mundo online.
A intelectualidade é uma experiência cortada por lances de vaidades, disputas, algo capaz de promover muitos desencantos.
Como gente de raiz canavieira, praieira, com galhos no mais complexo quilombo alagoano, carrego estigmas que nunca facilitaram entradas, assim, precisei crescer em chão adubado pelo conhecimento dos mestres. A vida foi generosa quando tive um amigo no porte intelectual e político de Sávio Almeida.
Assim partilho o tesouro de suas palavras de incentivo, deixando comigo seu olhar de mestre/amigo, ao qual me compete preservar nesta redoma de carinho.
Os encontros e os reencontros podem se dar ao acaso, mas o que inspiramos com bons exemplos pode fortalecer projetos de vida para além da nossa percepção.
Acreditar em quem acredita em nossos potenciais faz valer o sonho. Por mais concreta que seja a vida social, a subjetividade é um elemento impulsionador.
Minha gratidão ao professor tem mais do que palavras, é feita de sentimentos.