Que delícia o verão? Esgoto afeta experiência de banhistas em Maceió

Uma das maiores contradições do setor de turismo e imobiliário em Maceió é o descaso com o meio ambiente: a natureza que se vende aos de fora.

O problema aparentemente crônico e esquecido pelas gestões municipais ao longo do tempo, as línguas sujas – esgoto a céu aberto que causa coloração escura na água despejada no mar – ficam de fora das paisagens que anunciam o sol e mar da capital nas peças publicitárias e marketing digital.

O problema parece irremediável enquanto faz parte do cotidiano de quem vai às praias de Maceió e precisam lidar com mau cheiro e a desconfiança quanto a balneabilidade das águas.

O Repórter Nordeste entrevistou o arquiteto e urbanista Dilson Ferreira – que também é professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) – para entender como se formam e quais a possíveis soluções para o problema.

“Esses bueiros que tem ao longo da cidade, na nossa orla, são bueiros de drenagem da água da chuva. Quando chove ocorre a captação pela sarjeta, que cai na valeta, que cai nestas bocas de lobo e aí conecta essas redes subterrâneas e jogam no mar e nos rios, mas aí é água da chuva, não é água poluída. O que acontece: é inconcebível no verão – que não chove -, ter várias línguas sujas na praia, por que não deveria ter”, explicou o professor.

Dilson Ferreira é professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Alagoas. Foto: Reprodução/Instagram

Mas como ocorrem as línguas sujas?

“Existem duas formas que acabam criando estas línguas sujas: a primeira é a cidade sem saneamento e as pessoas colocam o cano para fora de casa e esses canos lançam esgoto na valeta, na sarjeta, na linha do meio-fio e esse esgoto vai escorrendo e cai na drenagem de águas pluviais. Esses são nos bairros onde não tem saneamento, nos bairros pobres da capital. É a forma mais fácil de destinar o esgoto (…) e a drenagem pluvial acaba jogando em rios e em praias.”

“A outra forma, na parte mais nobre da cidade, Jatiúca, Cruz das Almas, Pajuçara, Ponta Verde, muitos empreendimentos – negócios grandes, prédios, hotéis e outros -, por não terem um saneamento na cidade, o que fizeram: de forma clandestina, ligaram seus esgotos na rede subterrânea de águas pluviais e o que acontece? Vai tudo para a praia.”, esclareceu Dilson

Foto aérea de língua suja na orla de Maceió. Foto: Divulgação/Internet

Falta de planejamento urbano

“A primeira causa é o planejamento urbano, o formato, o desenho da cidade. Um exemplo prático: no Stella Maris, tem muito prédio, tem o Corredor Vera Arruda, aquilo ali foi um loteamento de casas de veraneio, na época, em 1970 e poucos. Ali foi feito um sistema de drenagem superficial e depois fizeram subterrâneo, mas fizeram um sistema de drenagem normal para a água da chuva.”

“Fizeram um sistema de esgoto para residências e não para grandes prédios. Então o local que tinha uma família, um lote ou dois lotes que tinham duas casas, de repente surgiu um prédio com 50 apartamentos, a pressão de esgoto é muito grande. Então acabou que: ou conectaram na rede de drenagem de forma clandestina, sem a fiscalização da prefeitura ou colocaram sistema de saneamento de esgoto conectando também”, disse o arquiteto e urbanista.

“Toda essa parte da Amélia Rosa, Santo Eduardo, João Davino,Jatiúca, o sistema de esgoto era para residências, não era para grandes prédios e aí o que acontece: não suporta. Aí estoura e sai esgoto no meio da rua. Então tem várias causas: existia um sistema de esgoto que era para casas e de repente existem grandes prédio que jogam esgoto, em um sistema que já não atendia direito as casas e acaba estourando. Quando estoura acabam ligando na drenagem de água pluvial e vai para a praia. Quase a maioria dos prédios tem ligações clandestinas”, afirmou.

Banhista no mar em frente ao esgoto. Foto: Divulgação/IMA

Soluções paliativas

“Quais seria a solução para os prédios que estão irregulares? São duas soluções: a primeira é forçar este prédios, cada um deles instalar uma micro usina de tratamento de esgoto – que existe, assim como você tem gerador de energia em prédio pode ter uma micro usina de tratamento de esgoto -, recebe o esgoto, limpa e aí sim pode devolver nas águas pluviais por que é agua limpa, não teria problema. Será que os prédios investiriam cada um em tratamento de esgoto?”

A segunda solução paliativa apontada por Dilson já foi feita em Maceió na gestão de Rui Palmeira (2012-2020). Ele detalha:

“Foram colocadas bombas na ponta das línguas sujas da praia, um sistema que tratava. O sistema pegava  e desviava este esgoto que ia para a praia para o emissário submarino. O Rui Palmeira fez isso ao longo da praia mas não funcionou. Não teve manutenção, oxidou, quebrou tudo e não resolveu. Ou seja: pegar este esgoto que chega na praia, direcionar ele para um tubo e este tubo ir para o emissário. Manteria toda clandestinidade da orla e simplesmente pegava o esgoto que vem pela drenagem de águas pluvial – que é tudo clandestina – e depois jogava no emissário.”

Segundo Dilson, há soluções. “Não é um problema difícil de resolver mas precisa de recurso, como falei: são obras de saneamento”, explica.

“Se refizer o esgoto todo e canalizar para o emissário submarino acabam com as línguas sujas totalmente na orla, então tem solução. Agora tem que fazer uma trabalho enorme, casa por casa, rua por rua, detectar todas as irregularidades e refazer todo sistema de saneamento da região”, conclui.

Para o professor, há falta interesse político em grandes obras que ficariam soterradas quando acabadas: “não tem como inaugurar obras subterrâneas”, afirma.

“São obras subterrâneas e que geralmente demoram um tempo, causam transtornos para a população por que você vai ter que rasgar a cidade: tubulação, ruas, vai inviabilizar acesso a residências e comércio. Imagine várias valas no meio da cidade. Isso tudo é negativo para os políticos. Além de ser uma obra que fica enterrada, ninguém vai ver. Por isso eles não fazem: além de gerar incômodo para a população é uma obra que ninguém vê.”

O que diz a Prefeitura de Maceió?

A reportagem procurou a Prefeitura e questionou o que tem sido feito em resposta ao problema. Confira a resposta:

A Operação Línguas Sujas, que é uma ação integrada entre as secretarias municipais de Meio Ambiente e Urbanismo (Semurb) e Infraestrutura (Seminfra), realiza permanentemente, desde de dezembro de 2022, ações de fiscalização para identificar, fechar e autuar os proprietários e responsáveis pelas ligações clandestinas de esgoto na rede de drenagem de águas pluviais na capital alagoana.

A Prefeitura de Maceió trabalha para acabar com as ligações clandestinas de esgoto, problema crônico de várias cidades brasileiras, localizando, fazendo o tamponamento e cumprindo a legislação vigente, no sentido de punir os infratores. Essa é a finalidade da Operação Línguas Sujas, criada e colocada em prática pela Prefeitura de Maceió.

As ligações clandestinas de esgoto prejudicam a infraestrutura existente para receber as águas pluviais que deságuam no mar. Essas galerias construídas pela prefeitura deveriam ser utilizadas somente para escoamento de águas das chuvas. Com as ligações clandestinas, passam a receber lançamento irregular de esgoto, que acaba chegando no mar e poluindo as praias.

Aqueles que são identificados cometendo esse crime ambiental recebem notificações e autuações de infração em consonância com o que está estabelecido no Código Municipal de Meio Ambiente, instituído pela Lei Municipal nº 4.548/96, e nas diretrizes de instalação, manutenção e limpeza periódica de caixas de gorduras, Lei Municipal nº 6.961/19.

A Secretaria Municipal de Infraestrutura de Maceió (Seminfra) tem executado a Operação Línguas Sujas, com o objetivo de identificar ligações clandestinas de esgoto e realizar o tamponamento delas.

Desde que iniciou, em dezembro de 2022, a operação já realizou o fechamento de cerca de 100 ligações clandestinas, reduzindo consideravelmente os problemas relacionados a línguas sujas nas praias da capital. Essas ligações clandestinas de esgotos estavam indo direto para galerias de águas pluviais, que levam a água da chuva para o mar e como consequência estavam também levando o esgoto para a orla marítima.

Com isso, está sendo possível controlar algumas línguas sujas que vinham manchando as praias de Maceió. Uma delas está localizada no Posto 7, onde havia problema crônico e hoje não há registro de esgoto no local ou reclamações à Seminfra.

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