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Quando a Umbanda abraça os espíritas

Qual de nós não carregará algum tipo de preconceito bem ou mal embalado relativamente direcionado ao que tinge o olhar com as cores da África?

Essa sina antiga de reproduzir hábitos tem sido tantas vezes mais ativa do que aquilo que chamamos de consciência, que requer sempre uma dose de paciência para fortalecer outros troncos de convicções.

Assim desfecho essa experiência de todos os dias com a história real que incorporamos entre racismos, mestiçagens e dominações. Nas vivências espíritas no Brasil receptor de tantas influências e religiosismos também encontramos boas vertentes de análises, estudos, e diálogos com vistas a possibilitar olhares diferenciados.

Hoje não entenda esse trecho de fala como acusação ou condenação, pois seria inútil abrir frentes dialógicas para isso.

Trouxe do berço mestiço medos católicos impressos em fugas, distâncias e agonias ao ouvir o batido longínquo de tambores. A cadência soava ameaçadora e a infância buscava alento nas preces aos guardiões angélicos, ensinadas nas catequeses e reuniões familiares bem intencionadas.

Qualquer encontro com uma oferenda despertava pavores, arrepios, corridas desabaladas em busca de amparo. Sempre o medo, sempre o risco.

Um laço criado assim não se desconstrói com deboche, e todos os que fomos engessados nesta opressão religiosa sabemos o quanto nos custa abrir as portas da alma para permitir outros encontros.

A curiosidade infantil pelas festas e o desejo de uma fatia daqueles bolos cobertos de açúcar azul imprimiram nessa mente um desejo de liberdade que apenas a madureza permitiu viver. O que me aproximou dos Terreiros foi a ciência.

Nos centros espíritas encontrei o esmero em distinguir Espiritismo de Espiritualismo, e todas as narrativas que “inferiorizavam” trabalhos espirituais de pretos eu também as recebi.

Foi na dor indescritível do luto que recebi o desprezo da elite espírita e o abraço afetivo do Preto Velho que ainda hoje ampara essa alma propensa a tombos.

O assassinato de um filho aos dezesseis anos me colocou na mesma condição de “expiação” pelas culpas do passado onde jaziam as mães periféricas da cidade. O nicho das culpas foi devassado. O dedo apontado foi muito diferente do abraço quente que se deixou molhar pelas minhas lágrimas, entre folhagens de arruda e cheiro de alfazema.

Jamais deixei de ser espírita, mas abri minha natureza por sobre os medos antigos para construir relações de afeto com espíritos que contaram tantas outras histórias.

Desse modo, seguir escrevendo e analisando a força política da evolução sobre os pressupostos religiosos me faz aclarar compreensões, sem necessitar combates. Não sou da guerra, sou da vida, e a compreendo ampla, larga e livre para acolher os pensamentos.

Assim, compartilho o depoimento da parceira espírita Joana Abranches, mulher capixaba que abriu sua vivência e juntando com  esta que relato, posso enfim me permitir afirmar que a Umbanda tem sido um abraço quente de afetos para acolher espíritas em sofrimento.  Qual será a razão?

Eis o que escreveu Joana em uma rede social:

“Importante ressaltar que sou espírita (kardecista) desde que nasci e, na época, participava ativamente do movimento espírita federativo, porém, o igrejismo e intolerância me fizeram calar e não ter coragem de pedir socorro nos grupos espíritas que frequentava. Daí, no auge da dor e da depressão, sem entender direito o que estava  acontecendo comigo, fui convidada, através de um c0olega de trabalho, a fazer uma palestra sobr5e o Evangelho num terreiro de Umbanda em que ninguém me conhecia e nem sabia o que eu estava passando.

Como nunca me neguei ao trabalho fui e fiz a palestra, com o coração em frangalhos. Ao final, o caboclo que dirigia os trabalhos me chamou e disse: “A irmã não veio aqui por acaso. Foi trazida aqui para ser socorrida, porque não tem coragem de pedir ajuda na mesa branca que frequenta”. Desabei em pranto convulsivo. Ele me fez sentar, me explicou o que estava acontecendo, me tranquilizou e ali começou o tratamento que iria me fazer sair do fundo do poço onde me encontrava. Ali também acabou a ideia de superioridade que eu tinha, como espírita, em relação à Umbanda.

Ali também comecei a refletir sobre as mazelas do movimento espírita no Brasil. Bendito sofrimento que me abriu os olhos e me libertou do preconceito. Gratidão infinita!”

O lindo depoimento de Joana me faz lembrar muitos outros que tem chegado até mim através de diálogos presenciais ou virtuais, com espíritas que sofreram os impactos violentos do bolsonarismo nos movimentos federativos por todo país e a busca pela Umbanda, o reencontro com a confiança na Luz e para muitos, o recomeço de vivências.

Assim sendo, que o ensejo da libertação continue nos visitando as almas!

Que nossas companhias espirituais sejam menos apegadas aos ditames de poder terreno e mais abertas aos influxos da natureza divina em seu mavioso sopro de diversidade, recriador de experiências.

O exercício do perdão não nos pareça superado e a bendição acompanhe cada leitor ou leitora nessa hora carecente de amor e paz.

Uma resposta

  1. Que depoimento maravilhoso!!!! Nele cabe minhas experiências como espírita e a redescoberta da Umbanda, q tem me envolvido carinhosa e lentamente.

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