E se esta sensação de alívio ao chegarmos ao final de um calendário for apenas mais uma ilusão formal? Qual de nós não estará meio estremecido com a retrospectiva de 2020?
Mas precisamos seguir! Única certeza!
Confirmações do previsto como necropolítica e um genocídio de caráter político-sanitário, nos conduzem para o terceiro ano do governo Bolsonaro; a pauta da dor social brasileira está assentada no centro dos vícios dos poderes, e nos tornamos povo refém.
Quem vai cobrar a força desse povo, para além desta que já mostra, sobrevivendo?
Sobreviver sem amargar, travar e adoecer é outra parte desta cena comum.
Muitos enfiados nos ambientes de tosquia fazem das religiões um ponto de encontro entre sofreres e desejos, esperanças e projeções, territórios híbridos onde o céu e o inferno comungam, participam, alentam e promovem estranhas formas de continuar vivendo.
Todas as explicações dadas até aqui ainda não responderam aquilo que o silêncio das profundas angústias utiliza em nome dos deuses particulares.
Quem vai desvendar os segredos que não se buscam conhecer?
Convencidos a seguir caminhos abertos poucos conseguem ousar a abertura de caminhos novos. E dos gabinetes o intelecto pode confundir mais do que de fato saber sobre essa ausência de brilho nos olhos do povo. O risco bravio do fundamentalismo não é fé!
Espiritualidade pode ser compreendida como atributo social ou é uma caixinha de música trancada em nosso ser?
No chão de barro está a força ora cambiante, ora saltitante, de uma realidade acostumada a não ter. Esse saber valida o amanhã de quem não espera. Talvez seja o roteiro mais seguro para 2021, o vácuo das projeções de um ano feliz.
Mas estamos vencendo 2020, arranhados ou mortalmente feridos, continuamos instigando a natureza animal, revestida de sociabilidade e cultura a fazer sua luta. Arfantes, embriagados, delirantes ou declinados, aqui chegamos e ensaiamos outro passo.
No movimento seguinte já nos veremos a cantarolar um salmo, declamar um poema curto, ninar uma criança que confia em nós. A sequência é a mola que nos retira da lama, que tinge de laranja o alvorecer!
Há um ano novo preste a nascer apesar da pandemia, anemia, anestesia.
Será que poderemos desejar ao menos feliz vacina?