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Psicólogos(as): qual lugar ocupamos?

Para lutarmos pela profissão sem dúvidas o primeiro passo é analisar a designação social, o seu “lugar”, dentro da estrutura societária que vivemos. Afinal de contas se existe um contexto socioeconômico que possui seus mecanismos de manutenção e reprodução de si através de relações de produção e trabalho que se estabelecem entre uma infraestrutura produtiva e uma superestrutura política e ideológica, este lugar se constrói na concretude histórica.

Logo, é nas relações de produção e de trabalho que encontramos o nosso “lugar”, que é dinâmico diante das movimentações históricas e determinações culturais. Entretanto, se houve uma grande mudança e ruptura na Psicologia hegemônica brasileira nos anos 1980 e que tomou forma política e institucional enraizando-se na sociedade nos anos 2000, algo mudou drasticamente desde essa ruptura (ver Yamamoto; Oliveira).

Se por um lado, conseguimos expandir nossas possibilidades de trabalho e campos de atuação na sociedade, por outro lado não prevíamos que a ruptura, alicerçada numa politização paulatina da Psicologia sob forte influência dos movimentos sociais e profissionais à esquerda, seria cooptada não só pela forma neoliberal de desenvolvimento profissional e de formação política mas convertida em atuação “dentro da ordem” e reprodutora de concepções e visões de mundo dos “de cima”.

No entanto, cabe ressaltar que qualquer ruptura precisa se sustentar em alicerces materiais, históricos, culturais, políticos e econômicos específicos para a sobrevivência de suas premissas. Logo, não há como modos de atuação e propostas inovadoras de trabalho e desenvolvimento científico simplesmente existirem por si só, mas carregam múltiplas determinações e fatores contraditórios fundamentais que viabilizam ou destroem nossas chances de trabalho para a libertação.

No momento oportuno da história nós lutamos por uma Psicologia Brasileira, mais comprometida com a maioria da população, isto é, aquela que vive em vulnerabilidade social, aquela que vive em pobreza, em violência e desamparadas de assistência estatal e conseguimos impor nossas premissas revolucionárias, a contra-psicologia, a psicologia não hegemônica que foi agraciada com institucionalidade e reconhecimento profissional, social e científico.

O movimento profissional, a construção do sindicato dos psicólogos e da FENAPSI (veja aqui) foi um momento de ouro da história da Psicologia brasileira desde a sua recente regulamentação profissional em 1962 (veja aqui). Mas não basta celebrar o que conseguimos se todas as estruturas que sustentavam este novo olhar psicológico estão se desestruturando e ganhando conotações de caráter regressivo e reducionista.

Veja bem, Alagoas é um Estado de pobreza latente, com grande número de analfabetismo e pessoas que vivem em situações de vulnerabilidade social, negligência estatal e violência em um cotidiano moedor de gente. Isto não é novidade para qualquer pessoa que se interesse pela “questão social” no Estado. Mas, com sinceridade, a partir do momento que nos institucionalizamos (SUS, escola, SUAS, organizações e empresas) e nos vemos diante de estruturas sociais de extrema opressão o que podemos nós fazer se muitas vezes os vínculos que nos mantém na “institucionalização” são frágeis e não nos garante estabilidade?

Se formos pensar no contingente de psicólogos(as) que trabalham contratados com vínculos trabalhistas precários e que, além disso, convivem com uma estrutura material de trabalho incipientes para desenvolver suas atividades, não é de se espantar que adequássemos nossas intervenções e propostas de maneira não apenas prejudicial para a qualidade dos nossos serviços, mas para a manutenção ostensiva de relações de poder problemáticas.

O prestígio, o título e a cadeira ao lado de políticos municipais e estaduais podem garantir sem muito rigor a empregabilidade e a vivência de um “papel”, num conjunto de práticas tradicionais onde a autonomia nos é negada pela clivagem que cria o nosso “lugar” e a nossa “função”, destarte a ineficiência elementar dos nossos projetos. Estamos nós envoltos em um contexto moedor de gente e supondo que este sistema possa não nos moer escolheríamos ir ao abatedouro junto?

Não se trata de uma questão moralizante e que o indivíduo é o culpado pela “deturpação” das premissas de uma Psicologia crítica, mas de condições que a história e a cultura condicionam em nós, isto é, exercem uma força coercitiva através da “questão econômica” e de nossa reprodução material. Estamos aqui numa encruzilhada entre o que é fácil falar e o que é possível fazer. Não há tempo para ingenuidade e discursos idealistas. O fato é que muita coisa no cenário político e ideológico mudou e com ele nossas possibilidades de trabalho.

De todo modo, os grandes nomes da Psicologia no Estado garantem um círculo de nomes que se mantém em evidência numa hierarquia dos que podem e os non gratos per se, o que configura uma ligação e uma normalização de uma manifestação político-cultural ligada a oligarquia alagoana e partidos políticos específicos a fim de garantir sossego econômico e pequenos ganhos pessoais, divulgação de nomes e programas de cursos e capacitações técnicas.

Numa disputa por cadeira especiais e lugares específicos nas instituições de representação profissional e nas universidades se desfez o “movimento dos psicólogos”, as análises materialistas deram lugar a frases de efeito que, mortas, já não servem mais a ninguém. É fácil encantar alunos dos primeiros períodos na graduação com frases de efeito e “compromisso social”. Ali na frente, logo após o tão merecido diploma, tem desemprego, trabalho precário e disputa por espaço e melhores frases motivacionais no Instagram.

 

Saiba mais:

YAMAMOTO, O. H.; OLIVEIRA, I. F. Política Social e Psicologia: Uma trajetória de 25 anos. Psicologia: Teoria e Pesquisa, vol. 26, n. 1, p. 9-24. Disponível em: < https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S0102-37722010000500002&lng=pt&tlng=pt>.

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