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Psicologia e saúde ambiental: contribuições críticas à práxis

Quando ouvimos em Psicologia Crítica, pensamos em uma postura crítica não apenas do psicólogo, indivíduo, que procura fazê-la e incorporá-la ao seu cotidiano e prática profissional, mas o manejo teórico-crítico levando em consideração as condições materiais de subsistência que condicionam fazeres, saberes e atividades.

É partir deste deslocamento que podemos tornar palpáveis os aspectos e características que dão base ao pensamento psicológico com a cara e as necessidades do nosso povo. Isto é, conseguimos vislumbrar o sentido histórico do comportamento social, sua razão de ser e, consequentemente, caminhos para a contestação do estabelecido.

É o movimento que cria a singularidade psicológica do ser humano e nos diferencia dos animais. Se o trabalho nos humaniza e vivemos em uma sociedade que tenta nos desumanizar o tempo inteiro, algo neste processo foi deformado, subtraído e tornado distante de nós.

A Ciência Psicológica nasce na Europa no auge da consolidação da sociedade burguesa que despontava sobre os escombros do Antigo Regime. O processo que possibilitou o salto qualitativo para essa nova sociedade veio com muita luta, mas, sobretudo, nasce com o desenvolvimento das forças produtivas e de uma urbanidade moderna constituindo um novo modo de produção: o capitalismo.

Para se adequar a essas demandas a Psicologia incorpora a lógica da cidade como o ambiente ideal do novo homem, aquele que consegue o que quer a partir de sua própria motivação e trabalho. O individualismo liberal gerou, deste modo, a necessidade de gerir o indivíduo, suas manifestações psíquicas e comportamentais.

Desenvolvendo-se majoritariamente em ambiente urbano, a Psicologia restringiu-se a modelos teóricos que abarcassem as necessidades das cidades surgindo subáreas como a Psicologia Industrial, a Psicologia Escolar/Educacional e Clínica.

No entanto, em um país como o Brasil, de dimensões continentais e de industrialização tardia, por mais que haja um processo de urbanização acelerado, o que acarreta muitos problemas associados, parte significativa da população vive no campo ou em pequenos municípios e povoados. Em Alagoas, por exemplo, a maioria dos municípios têm de 10 a 30 mil habitantes segundo dados do Governo do Estado (ver Governo de Alagoas).

Logo, a configuração do espaço também deve mudar nossas práticas, assim como a compreensão de que o meio ambiente pode ser produtor de saúde ou um espaço que gera adoecimento. Desta maneira, é interessante nos atentarmos a relação Campo-Cidade não apenas de uma forma econômico-geográfica divergentes e distantes, mas entender que nestes dois polos aparentemente contraditórios e antagônicos há seres humanos compartilhando espaços e atividades e que participam de um sistema de produção que aliena o trabalho e enfraquece os laços de cuidado e pertença ao lugar, ao ambiente e a natureza.

Nosso desafio crítico, então, é sermos promotores de práticas de bem-estar e de experiência educativa e significativa com o meio ambiente e estabelecer conexões comuns que reforçam a criatividade humana em variados contextos.

Para melhor ilustrar esta perspectiva, entrevistei a psicóloga Carmem Reis, que atua em Teresina no Piauí. Ela é psicóloga clínica popular e desenvolve um trabalho terapêutico com mulheres no grupo “Mulheres Girassol”. Carmem vê a horta agroecológica uma oportunidade de produzir saúde. Encontrei com Carmem nas redes sociais, ela é filiada ao PSOL e sua militância envolve o respeito aos recursos naturais e o trabalho comunitário. Veja a entrevista:

Gostaria de saber o que lhe levou a se interessar pelas relações no campo, agricultura familiar e meio ambiente. Essas questões que na formação em Psicologia simplesmente não existem ou são apenas pinceladas durante a graduação. Como foi este percurso?

Meu interesse pelas hortas agroecológicas surgiu anos depois da minha graduação, a partir do momento em que me aproximei das ideias do socialismo, tentando entender mesmo. Enxerguei, então, toda a engrenagem, de todo sistema capitalista que é gerador de toda forma de opressão, exploração e destruição do planeta.

Claro que isso não foi por acaso, eu já era uma pessoa muito envolvida e preocupada com a política no nosso país e ainda apareceram pessoas em minha vida que me ajudaram muito a perceber tudo isso e também muitas leituras.

A partir da compreensão de como esse sistema segregador e destruidor funciona, de como o capitalismo se baseia na exploração da natureza para gerar lucros para uma minoria de burgueses patriarcais e colonizadores que oprimem e exploram o homem de diversas formas, seja pela sua sexualidade, por raça, por gênero, por classe social e que acaba causando diversas formas de adoecimentos físicos, psíquicos e sociais, comecei a entender que, como Psicóloga, não poderia estar batendo o martelo na mesma cabeça de prego.

Infelizmente, o que se pode observar é que nos bancos acadêmicos aprendemos muito sobre a mente, comportamentos, relações consigo e com o outro. Mas para se observar a relação da Ecologia e Psicologia, é preciso compreender que a saúde humana depende da saúde Ecológica e que elas são indissociáveis.

O nosso Código de Ética do Profissional Psicólogo (veja aqui) se baseia nos Direitos Humanos e inclui nos seus Princípios Fundamentais o art. II. “O psicólogo trabalhará visando promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas e das coletividades e contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. Nosso bem estar e qualidade de vida depende muito de toda biodiversidade, mas não nos moldes que o sistema capitalista nos coloca, com grandes parques com toda infraestrutura para o ciclismo, pista de correr, etc, espaços pré-moldados de natureza.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a saúde é vista como “Um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”. Logo, esse “bem estar físico e mental” e “social” deveria incluir TODO o ambiente a assim todo o Ecossistema, afinal de contas, nunca poderemos falar de saúde em um planeta devastado.

Deste modo, quando a gente fala de meio ambiente na Psicologia, geralmente está se falando de relações comportamentais no trabalho, na escola, na família, nos grupos e pouco sobre a relação do psiquismo humano com outros seres naturais, os quais interagimos e fazemos parte como seres naturalísticos que somos e com uma única diferença, a racionalidade, que por esse ponto é entendida por muitos como sendo superiores aos outros seres.

Daí surge a minha percepção e convicção de que as hortas agroecológicas associadas a consciência ambiental podem ser o futuro para evitar um ecocídio. É de suma importância, inclusive para os profissionais Psicólogos, uma vez que isso vai interferir diretamente na saúde como um todo.

Portanto, as hortas agroecológicas são um modelo de ruptura com o capitalismo extrativista, produtor, consumista e de descarte. A profissão precisa urgentemente entender que o estado biopsicossocial (holístico), perpassa pela agricultura familiar uma vez que são alimentos livre de venenos, que preservam os campos, as florestas, as pessoas, as águas, os animais, o ar, promove reflorestam em lugares desmatados, enfim, gera saúde, preserva a vida para o planeta como o todo, afinal, não teremos um outro mundo além desse. E é na agroecologia, nas hortas a nossa esperança de romper com esse sistema capitalista que, de variadas formas, favorece ao adoecimento físico, mental e social.

Saiba mais:

ALBUQUERQUE, F. J. B. Psicologia Social e formas de vida rural no Brasil. Psicologia: Teoria e Pesquisa, vol. 18, n. 1, 2002. Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-37722002000100005&script=sci_arttext&tlng=pt>.

CALEGARE, M. G. A. Rural-urbano, estudos rurais e ruralidades: saberes necessários á Psicologia Social. In: LIMA, A. F. et al. Psicologia Social e os desafios ético-políticos no Brasil. Porto Alegre: ABRAPSO, p. 437-457, 2015.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLGIA. Código de Ética Profissional do Psicólogo, 2005. Disponível em: <https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2012/07/codigo-de-etica-psicologia.pdf>

DALMOLIN, B. B. et al. Significados do conceito de saúde na perspectiva de docentes da área da saúde. Escola Anna Nery, vol. 15, n. 2, 2011. Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-81452011000200023>

GOVERNO DE ALAGOAS. Alagoas em Dados e Informações. Disponível em: < http://dados.al.gov.br/dataset/mapas-de-demografia-2014/resource/d1d4f839-5c1a-4c3e-bea2-9dbc2f9107e3>.

 

 

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