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Prudência macro e política macroprudencial no Brasil

Felipe Tâmega-Valor Econômico

A grande questão que se depreende das discussões sobre política macroprudencial se relaciona com a formação de bolhas, entendendo-se bolha como um movimento no preço dos ativos não explicado por seus fundamentos. Nota-se nessas discussões que não há sequer consenso sobre como proceder em face de uma possível bolha de ativos. A discussão é antiga, mas o consenso pré-crise tendia para o lado da autorregulação dos mercados. O argumento era que como é difícil se identificar uma bolha, melhor seria então deixar o preço caminhar naturalmente para uma correção posterior, mesmo que de forma abrupta. O papel da autoridade monetária seria então de limpar o excesso, assim que a bolha tivesse estourado. Contudo, dado o custo econômico da crise financeira de 2008/9, surgiram mais vozes em favor de uma política preventiva, normalmente via ações de caráter macroprudencial, por meio de limites de alavancagem, regras de liquidez bancária, requerimentos de capital anticíclico, etc.

A melhor alternativa para lidar com a formação de bolhas seria, naturalmente, internalizar todos os seus custos econômicos e sociais. As soluções acima (limpar os excessos ou aplicar uma política preventiva) nada mais são do que alternativas subótimas (“second best”), cujos custos são claros. A limpeza dos mercados ex-post gera desequilíbrios intertemporais já que é difícil para o governo convencer os agentes privados de que não proverá resgate (“bailout”), o que os leva a exatamente tomar riscos excessivos e a gerar a bolha. A sua vantagem é que se trata de um instrumento direcionado.

Por sua vez, políticas macroprudenciais ex-ante são pouco direcionadas (e, portanto, de custo econômico e social elevados), mas podem pelo menos resolver o problema de inconsistência intertemporal. Dessa forma, parece que a combinação de políticas ex-ante e ex-post pode gerar um ganho de bem-estar.

Nota-se que não há sequer consenso sobre como proceder em face de uma possível bolha de ativos

Os artigos acadêmicos que advogam pela adoção de políticas macroprudenciais em geral possuem algum tipo de mecanismo de amplificação financeira e “fire sales”. Contudo, a decisão sobre qual o melhor mix de política parece depender da propensão à formação de bolhas, ou seja, depende exatamente se os mecanismos que levam à formação de bolhas estão presentes ou não e em que intensidade eles se verificam.

Tal discussão é ainda mais relevante para economias que sofrem de escassez de crédito, como ainda parece ser o caso do Brasil. Isso porque o aumento rápido do crédito (baseado, por exemplo, em fundamentos) poderia ser confundido com uma bolha, engendrando incorretamente a aplicação de medidas macroprudenciais.

Mesmo que o processo fosse (corretamente) identificado como bolha, seria difícil saber qual a parcela do crescimento do crédito seria baseada em fundamentos e qual parcela seria simplesmente especulação. Um caso clássico desse dilema de política foi sem dúvida a crise do encilhamento que ocorreu logo após a Proclamação da República no Brasil. Houve naquela ocasião um forte aumento da base monetária e do crédito, que levou a uma bolha especulativa na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, que ocasionou um crash.

Entretanto, como o próprio Fishlow (1972) já ressaltara, o encilhamento teve efeitos positivos duradouros: o investimento aumentou significativamente e várias empresas criadas no período subsistiram décadas após a crise. Portanto, nesse caso, a aplicação de medidas macroprudenciais para conter o crédito poderia ter tido custos superiores ao benefício gerado pela expansão de crédito.

Dessa forma, a adoção de política macroprudencial não é uma panaceia. Ela não resolve os dilemas de política macroeconômica já que ela sofre do mesmo mal de outras políticas: a definição de qual é o equilíbrio de longo prazo. E mesmo que se conseguisse definir os parâmetros de longo prazo com clareza, a aplicação de medidas macroprudenciais não se faria livre de problemas. Primeiramente, não está claro se medidas macroprudenciais devem ser pontuais ou devem seguir uma regra pré-definida.

Segundo, tampouco é óbvio se as medidas têm que ser aplicadas via mudança de preços relativos ou se por meio de algum tipo de restrição quantitativa. Nem sequer se sabe ao certo como calibrar tais medidas, principalmente no caso em que são aplicadas de maneira pontual. As escolhas, em geral, dependeriam do tipo de falha de mercado identificada.

De qualquer maneira, já há tentativas de se incorporar a política macroprudencial dentro do arcabouço de política monetária. Uma possibilidade passaria por adicionar alguns aspectos macroprudenciais aos modelos de equilíbrio geral de forma a se gerar funções de reação do banco central que respondam a alguma medida de risco macroprudencial. Não só o modelo precisaria ser bem especificado, como a medida de risco macroprudencial deveria ser bastante informativa, gerando assim previsibilidade de política.

Nesse quesito, o Banco Central do Brasil parece avançar significativamente, já que disponibiliza estudos buscando identificar uma boa medida de risco macroprudencial. Entretanto, a aplicação de medidas macroprudenciais deveria ser feita com a máxima prudência. Talvez o melhor arcabouço a se seguir seja o proposto por Michael Woodford (“Inflation Targeting and Financial Stability”, 2012) que advoga pela adoção de um “price level targeting” modificado: depende da evolução dos preços, do hiato do crescimento e do risco de crise na margem. Em conjunturas normais, o arcabouço de metas de inflação permaneceria inalterado (já que a probabilidade de ocorrência de um evento extremo seria próxima a zero) e, em momentos de agravamento de risco, as considerações macroprudenciais influenciariam as decisões de política monetária. Seria a forma mais clara de prosseguir na agenda macroprudencial sem desvirtuar a expectativa dos agentes com relação à política monetária. Esse deveria ser o caminho adotado pelo Banco Central, principalmente num contexto em que as expectativas de inflação já se desancoram.

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