Ângela Maria dos Santos
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/5671620709272491
Na manhã do dia 30 de maio de 2025, foi noticiada a morte da professora de Língua Portuguesa, Silvaneide Monteiro Andrade, que, aos 56 anos de idade fora acometida de um infarto fulminante durante seu expediente no Colégio Estadual Cívico-Militar Jayme Canet, no bairro de Xaxim, em Curitiba. A matéria do Instituto Conhecimento Liberta destaca: “O corpo dela, estendido entre cadernos e relatórios, é a imagem final de um sistema que colapsa sobre os ombros de quem deveria ser amparado. Ninguém a socorreu a tempo: nem a escola, nem o Estado, nem a lógica que nos rege” (Costa, 2025). O episódio gerou comoção entre colegas e alunos, ao mesmo tempo que reacendeu o debate sobre o adoecimento docente e as condições de trabalho dos profissionais da educação. Essa lógica, enraizada na estrutura educacional, reforça a sobrecarga de trabalho, a pressão por resultados e a ausência de políticas efetivas de cuidado com a saúde mental e física de professores.
As situações relacionadas ao adoecimento docente ganham notoriedade apenas diante de eventos graves. Entretanto, o sistema capitalista impõe uma dinâmica que impede o/a profissional da educação que atua na linha de frente de cuidar do corpo e da mente, levando-o/a ao colapso – o próprio sistema educacional caminha para esse estado.
Movidos por tal contexto, resolvemos analisar alguns documentos escolares da Instrução Pública de Alagoas e observamos um número significativo de solicitações de licença médica por parte dos docentes, as quais estão ilustradas a seguir:
Imagem 1 – Pedido de licença da professora Celina Barbosa Batinga. Fonte: Arquivo Público de Alagoas. Foto autoral, 2019.
Na situação apresentada, Celina Barbosa Batinga, professora diretora do Grupo Escolar Thomaz Espíndola, localizado no interior de Alagoas, encaminha ao Governador do Estado, Sr. Osman Loureiro, uma solicitação de licença, fundamentando seu pedido no amparo do art. 134 da Constituição Estadual. Como justificativa, a docente destaca que, ao longo de seus vinte anos de serviço prestados ao Estado, jamais recebeu qualquer sanção disciplinar nem usufruiu de licença para tratar de interesses particulares. O pedido, datado de 27 de fevereiro de 1936, foi aprovado pelo governador em 7 de abril do mesmo ano.
O contexto da solicitação ilustra um aspecto relevante da administração pública da época, evidenciando a necessidade de respaldo legal para requerimentos dessa natureza. Além disso, a argumentação utilizada pela professora reflete uma preocupação em demonstrar mérito e conduta exemplar como critérios para a concessão da licença, algo que ainda é valorizado em processos administrativos contemporâneos.
A Sra. Alice de Araujo Moraes, diretora do Grupo Escolar “Tavares Bastos” sediado na capital alagoana, formalizou um pedido de licença de 60 dias para a realização de tratamento médico. O documento é registrado no Rio de Janeiro, local onde seria realizado o referido tratamento.
O requerimento apresentado fundamenta-se nas disposições previstas no artigo 7º da Lei nº 87, de 7 de julho de 1930, que normatiza as concessões de afastamento por motivos de saúde no âmbito da administração pública estadual. Conforme o solicitado, a Diretoria da Instrução Pública, na pessoa de Graciliano Ramos e o Governador do Estado, Osman Loureiro, manifestaram parecer favorável ao atendimento da solicitação, considerando o direito da servidora ao afastamento temporário e a necessidade de preservar sua saúde para o exercício de suas funções. Além disso, reforça-se a importância do amparo legal na gestão de recursos humanos da educação, evidenciando a relevância da legislação vigente na proteção dos profissionais do magistério. Observa-se um/a profissional esclarecido/a dos seus direitos garantidos de forma constitucional.
O professor Adalberto Lisbôa Gmera, docente público de 1ª classe, vinculado ao Grupo Escolar Rocha Pita, este situado na cidade de Porto Calvo-AL, formaliza um requerimento para a concessão de 60 dias de licença remunerada, fundamentado em razões de saúde e devidamente respaldado por atestado médico.
A solicitação, enviada no final do mês de maio de 1936, alinha-se às disposições normativas vigentes na época, as quais asseguravam aos servidores públicos o direito ao afastamento por questões médicas, desde que devidamente comprovadas. O pedido foi deferido e atendido em 8 de junho do mesmo ano, evidenciando a observância dos princípios administrativos que regem a concessão de benefícios funcionais no serviço público.
Este caso reflete a relevância das políticas institucionais voltadas à preservação da saúde dos profissionais da educação, demonstrando a aplicação dos dispositivos legais que garantem a continuidade da remuneração durante o período de afastamento.
Em 16 de março de 1936, a professora Cordélia Cavalcante d’Oliveira, docente de 1ª classe do Grupo Escolar Almeida Cavalcante, situado no município de Palmeira dos Índios-AL, formalizou um pedido de licença de 60 dias, justificando sua necessidade devido ao comprometimento de sua saúde. O requerimento foi acompanhado de atestado médico emitido pelo Dr. Heroclyto Caldas, especialista em doenças femininas, que enfatizou a necessidade de um tratamento metódico sob regime rigoroso, considerando a progressão do quadro clínico da paciente.
Apesar da conformidade do pedido com as exigências legais, conforme destacado pelo Diretor Interino da Instrução Pública, Sizenando Nabuco de Mello, na devolutiva do requerimento, o governador concedeu apenas 30 dias de licença à solicitante, desconsiderando integralmente a avaliação médica apresentada. Entre as condições identificadas no atestado, constava o diagnóstico de astenia, o que reforçava a necessidade do afastamento prolongado para recuperação adequada.
A astenia, caracterizada por fadiga extrema e redução da capacidade física e mental1, era frequentemente diagnosticada em mulheres ao longo da história, muitas vezes associada a sobrecarga de trabalho, estresse emocional e condições de saúde precárias. No início do século XX, a medicina ainda carregava percepções fortemente influenciadas por determinismos de gênero, o que pode ter contribuído para uma visão limitada das causas e implicações da astenia feminina. Em muitos casos, mulheres que apresentavam esse diagnóstico eram aconselhadas ao repouso absoluto, sem que se investigassem questões mais amplas, como fatores hormonais, nutricionais ou psicológicos que poderiam estar envolvidos.
O episódio relatado demonstra não apenas a dificuldade das mulheres em obter reconhecimento oficial para suas condições de saúde mas também uma possível negligência institucional frente às recomendações médicas especializadas. Esse contexto denuncia os desafios históricos enfrentados pelas profissionais da educação para garantir seus direitos à licença médica em um período marcado por forte centralização política e controle administrativo.
A imagem a seguir apresenta um registro escolar do Grupo Escolar Lyceu Alagoano. O documento informa que o então diretor, Professor Joaquim Ignácio Loureiro, falecera, todavia não é especificado o ano e nem a causa da morte.
O referido diretor faleceu em 1920, como afirma Tavares (2012, sic), em seu discurso de posse como membro efetivo e ocupante da cadeira nº 57 do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas:
O professor Loureiro foi um dos mais destacados jornalistas do seu tempo, sobressaindo-se não somente pelas atitudes desassombradas, mas também pelo estilo correto e brilhante dos seus artigos, tendo sido reconhecido como um argumentador provido de espírito culto e poder de síntese. Seus escritos eram claros, concisos e profundos, diziam os críticos da época. Falecido em 1920, o professor Joaquim Inácio Loureiro dignifica a cadeira por ele inaugurada e que doravante tenho a honra de ocupar.
Ao analisar a estrutura do documento (Imagem 5) e a forma como as informações são registradas, observa-se uma abordagem excessivamente técnica e burocrática, caracterizada pela objetividade impessoal na causa da substituição do antigo diretor – “Faleceu” – e na nomeação de seu sucessor – “Nomeado para o cargo acima…”.
O nome do professor Francisco José dos Santos Ferraz como diretor substituto só é formalmente registrado dois anos após o falecimento de Joaquim Inácio Loureiro, expondo uma lógica de continuidade administrativa que, por vezes, negligencia as dimensões humanas e institucionais envolvidas na perda de um trabalhador. A ausência de menção à relevância do antigo gestor ou às repercussões da transição demonstra um processo que prioriza a estrutura organizacional em detrimento do reconhecimento das trajetórias individuais.
A relação entre os registros do início do século XX e a morte da professora Silvaneide Andrade, no final do mês de maio deste ano, salienta a naturalização da precarização do trabalho docente ao longo do tempo. A substituição imediata de educadores, sem espaço para reflexão sobre as condições que levaram ao seu adoecimento ou falecimento, revela um padrão histórico de desvalorização da profissão. Os professores, somos apenas um CPF? E depois da morte quais medidas serão tomadas para evitar mais tragédias no ambiente escolar como essa da professora de Xaxim?
Desde sempre, o adoecimento docente é um fenômeno que merece atenção; atualmente em caráter de urgência. Fatores como excesso de carga horária, violência escolar, falta de reconhecimento, baixos salários e demandas burocráticas excessivas contribuem para a deterioração da saúde dos educadores, resultando em casos de esgotamento físico e emocional. A situação da professora Silvaneide Andrade não é um caso isolado, mas, sim, reflexo de um sistema que ignora o bem-estar físico, psicológico e emocional dos profissionais da educação.
Esse cenário reforça, portanto, a necessidade de políticas públicas que promovam melhores condições de trabalho, suporte psicológico e valorização da carreira docente. A educação depende da dedicação e saúde de seus professores. Para que estes possam desempenhar seu papel de forma plena, é fundamental garantir ambientes de trabalho saudáveis, boa estrutura, materiais pedagógicos e salários dignos, pois, sem essas condições, o profissional fica sujeito a constante adoecimento e, consequentemente, os prejuízos para os alunos crescerão em níveis inaceitáveis.
Referências
COSTA, Valter Mattos da. Professor, cuidado, a sala de aula está te matando. 2025. Disponível em: https://iclnoticias.com.br/professor-cuidado-a-sala-de-aula-esta-matando/ . Acesso em: 2 jun. 2025.
TAVARES, Eduardo. Discurso: Solenidade de posse como sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (IHGAL). 2012. Disponível em: https://ducamendes.blogspot.com/2012/11/discurso-solenidade-de-posse-como-socio.html . Acesso em: 1 jun. 2025.
TICIANELI, Edberto. Professor Santos Ferraz, o bacharel que optou pelo magistério. 2024. Disponível em: https://www.historiadealagoas.com.br/professor-santos-ferraz-o-bacharel-que-optou-pelo-magisterio.html . Acesso em: 1 jun. 2025.
1 Pode ser causada por diversas condições agudas ou crônicas, como infecções, problemas cardiovasculares, câncer, doenças neurológicas (como esclerose múltipla), doenças de tireoide, deficiências nutricionais, ou mesmo como efeito colateral de tratamentos, como a quimioterapia. Disponível em: https://www.google.com/search?q=astenia&oq=astenia&gs &sourceid=chrome&ie=UTF-8. Acesso em: 06 jun. 2025.