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Povo Somali chama atenção de psicólogos; vínculos comunitários e fé são importantes

O ano de 2020, sem dúvidas, modificou as direções de muitos estudos em Psicologia. A questão do enfrentamento aos danos psicossociais da pandemia de COVID-19 já está ocupando espaço nas preocupações de inúmeros pesquisadores e estudiosos da área ao redor do mundo.

A revista científica Psychological Trauma: Theory, Research, Practice, and Policy está ligada a American Psychological Association e lançou um estudo sobre as perspectivas do povo Somali para se contrapor as dificuldades que emergiram da pandemia.

Vale destacar que o país (Somália) convive com instabilidade política e crise humanitária prolongada além de uma estrutura econômica subdesenvolvida e problemática.

Logo, este contexto exacerba vulnerabilidades de um sistema de saúde que não consegue atender a população. Afetada por conflitos étnicos e desastres naturais, as condições psicossociais e de saúde mental complicam-se de maneira considerável.

O enfoque do estudo é, sobretudo, explicitar uma coordenação comunitária que vise a diminuição de traumas e que conte com adesão da comunidade considerando aspectos culturais envolvidos.

Desta maneira, integrar princípios de fé na leitura psicológica desta realidade foi a estratégia adotada por estes pesquisadores. Isto é, buscaram enfatizar os elementos religiosos que compunham a experiência comunitária (no caso, baseada no islamismo) para o desenvolvimento de práticas solidárias.

O estudo não tem como característica a critica dos motivos que geram conflitos, subdesenvolvimento e dificuldades sociais no país africano. No entanto, este trabalho busca trazer reflexões sobre questões culturais envolvidas no trato da saúde mental, bem como o estigma, dificuldades de acessos, preferências culturais na busca de apoio comunitário e religioso, etc.

Desta forma, foram expostas realidades como a de comunidades de refugiados Somalis nos EUA e sua vulnerabilidade socioeconômica, visto que o desemprego também chegou a esta potência do capitalismo mundial que tem sofrido sérias perdas, além de índices elevados de infecção e mortalidade por COVID-19.

Em vista disso, o direcionamento de comportamentos solidários e de fortalecimento de vínculos coletivos e comunitários foram facilitados pela religiosidade e pela afinidade cultural das pessoas na ajuda mútua. Ou seja, a partir dos valores islâmicos os Somalis puderam encontrar coesão no cuidado com vulneráveis e grupos de risco, se organizando para alimentar e assegurar condições para os necessitados.

“O que me dá força ou sentido neste momento é retribuir à minha comunidade”, foi dito.

Será que teríamos êxito no Brasil? Se pudéssemos incentivar e criar estratégias para este direcionamento coletivo à cooperação talvez encontrássemos caminhos.

Um exemplo interessante e bastante contundente no Brasil é a ação de movimentos sociais como o Movimento Sem Terra (MST) na partilha de alimentos vindos da agricultura familiar entre os mais vulneráveis em variadas cidades brasileiras.

Várias entidades religiosas e voluntários também atuam neste sentido, incluindo psicólogos, assistentes sociais, líderes comunitários, associações de moradores e religiosos das mais variadas crenças.

Os fatores que, no Brasil, tornam esta ação mais dificultosa é justamente a sua história de negligência estatal com as coletividades. Este momento histórico é marcado por esta disputa política que envolve forte componente conservador e religioso. O cenário não favorece a ações como esta, já que setores religiosos adotaram um viés mais de individualismo do que de coletivismo.

De todo modo, é um momento em que psicólogos podem redescobrir a comunidade como ponto de partida para a promoção de saúde e comportamentos de cooperação para grupos humanos em vulnerabilidade.

Para os Somalis, o modelo de tratamento do trauma e da saúde mental ocidentais não substituem a fé. O sistema religioso promoveu conexões sociais onde puderam gerir recursos para todos.

“Estamos todos juntos nisso e podemos todos sair desta crise.”

 

Saiba mais:

BENTLEY, J. A. et al. Local to Global: Somali Perspectives on Faith, Community, and Resilience in Response to COVID-19. Psychological Trauma: Theory, Research, Practice, and Policy. Disponível em: <https://psycnet.apa.org/fulltext/2020-49319-003.html>

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