Por um punhado de ICMS

Alguns alegam que os incentivos existem em alguns Estados há mais de 40 anos, e indagam por que somente agora surge tal crítica a uma prática tão duradoura?

Roberto Gianetti da Fonseca- é economista, presidente da Kaduna-O Globo

Parafraseando o título do memorável  longa-metragem dirigido na década de 1960 pelo cineasta italiano Sérgio  Leone e estrelado por Clint Eastwood, “Por um punhado de dólares”, assim  denomino a atitude antipatriótica, quando não inconstitucional, de  certos governadores estaduais, que continuam oferecendo ostensivamente  incentivos fiscais para produtos importados que sejam internalizados no  território nacional através de seus portos. Trata-se de flagrante  desrespeito desses governadores a recente decisão do plenário do Supremo  Tribunal Federal, como também ao Confaz (Conselho Nacional de Política  Fazendária).

Alguns alegam que os incentivos existem em alguns  Estados há mais de 40 anos, e indagam por que somente agora surge tal  crítica a uma prática tão duradoura? De fato é verdadeira a afirmação  que o mais antigo destes perversos incentivos, o denominado Fundap, teve  origem no Estado do Espírito Santo em 1972, e era justificado como  compensação econômica temporária pela erradicação do café levada a  efeito naquele Estado, quando havia naquele ano-safra uma superprodução  dessa commodity, e o governo federal da época assim decidiu. Imaginaram  um criativo sistema de financiamento de longo prazo com juros fixos  reduzidos, em valor proporcional ao valor do ICMS recolhido sobre os  produtos importados através do Porto de Vitória, de forma que o valor  presente líquido do ICMS para o importador ficaria reduzido em cerca de  70%.

Em resposta a esses incentivos, muitos importadores de  insumos industriais desviaram suas importações do porto de Santos e do  Rio de Janeiro para o Porto de Vitória. Acontece que naquela época, e  até o fim da década de 1990, somente o Espírito Santo praticava essa  modalidade de incentivo fiscal para produtos importados, os quais eram  quase exclusivamente sem similar nacional, uma vez que a então  toda-poderosa Cacex não liberava licenças de importação para qualquer  mercadoria estrangeira que desejasse entrar no país. Apesar da  contestação de alguns outros Estados desde os anos 1980, o Fundap não  representava até então uma grave ameaça à indústria nacional, e  sobrevivia ano após ano, governo após governo, os quais algumas décadas  depois já nem mesmo se lembravam de sua longínqua origem derivada da  erradicação dos cafezais em 1972.

Nos últimos 15 anos, as  importações brasileiras se multiplicaram, e muitos outros Estados  brasileiros introduziram regimes de incentivos fiscais para produtos  importados que hoje em dia movimentam dezenas de bilhões de dólares de  importações incentivadas, as quais competem diretamente e de forma  desleal com a produção nacional, destruindo renda, emprego, e  investimentos produtivos em nosso país. Por um punhado de ICMS,  equivalente a cerca de apenas 3%, ao invés dos 12% (interestadual) ou  18% (estadual), esses governos estaduais vendem sua “alma ao diabo”, ou  melhor, aos produtores estrangeiros, que se aproveitam dos incentivos  tributários para vender volumes crescentes de seus produtos no mercado  interno brasileiro.

As importações obrigam a indústria nacional a  se tornar a cada dia mais moderna e mais competitiva. O que estamos aqui  contestando é algo bem diverso, ou seja, contestamos veementemente as  espúrias vantagens fiscais atualmente oferecidas a produtos estrangeiros  importados que concorrem de forma desleal com a produção nacional.

Para  encerrar definitivamente esta nefasta distorção tributária que ainda  prevalece na economia brasileira, está em tramitação final no Senado  Federal uma resolução, a de número 72/2010, que poderá vir a reduzir o  ICMS interestadual sobre produtos importados sem transformação no Estado  de origem, para meros 4%, ou seja, sem espaço para manobras fiscais que  justifiquem a continuidade desta denominada “Guerra Fiscal dos Portos”.  Espera-se que os senadores da República, no cumprimento de seus deveres  constitucionais, determinem imediatamente o regime de urgência para a  votação da resolução, e assim, votando em maioria simples pela sua  aprovação, ponham fim a esse crime de lesa-pátria que tanto tem  prejudicado a indústria nacional nos últimos anos.

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