Por um Brasil sem sujeira

Bons ventos trazem o tema do saneamento básico à discussão, com intensidade nunca antes vista na História do Brasil. Enfim saímos do marasmo para enfrentar com maior determinação uma das necessidades mais prementes da nossa população

Luiza Nagib Eluf – Estadão

O termo sujeira é amplo, pode-se entendê-lo como  oposto de limpeza ou, em sentido figurado, pode se referir à corrupção, à  malandragem, aos desvios de dinheiro público. Aqui, porém, será usado  literalmente. Embora os problemas de sujeira no Brasil sejam muitos, é  preciso escolher as prioridades. Falemos do tratamento de esgoto.

Bons  ventos trazem o tema do saneamento básico à discussão, com intensidade  nunca antes vista na História do Brasil. Enfim saímos do marasmo para  enfrentar com maior determinação uma das necessidades mais prementes da  nossa população. O momento também favorece a ampliação da discussão para  que contemplemos as questões relacionadas ao meio ambiente diante do  abismo de nossas desigualdades sociais, além do muito que falta fazer  para alcançarmos a tão almejada sustentabilidade.

Estamos  distantes do discurso de que “é preciso deixar aos nossos descendentes  os recursos naturais necessários à sua sobrevivência”, pois nem sequer  conseguimos prover o que há de mais básico em termos de saneamento. Não  temos água tratada e própria para o consumo em muitas localidades. Com o  vertiginoso aumento populacional no mundo, esse problema, que atinge  prioritariamente os países em desenvolvimento, coloca mais de 2 bilhões  de pessoas, sobretudo crianças pobres, em situação de risco para a  saúde.

No Brasil, são milhares de crianças atingidas por diarreia  todos os anos, doença que afeta a saúde de forma perversa e contínua,  prejudicando até mesmo o completo aprendizado escolar. Segundo o  Ministério das Cidades, 55% da nossa população ainda não está conectada a  redes de esgoto – e o índice de tratamento é de apenas 39%, conforme  estudo de 2009. Mais impressionante ainda que isso é constatar que a  população nem ao menos sabe o que significa saneamento básico e somente  5% das pessoas entrevistadas na mesma pesquisa conseguiram relacionar o  saneamento com saúde.

Todo verão, em alguns Estados da Federação, é  comum que se publique a avaliação da adequação das praias mais  procuradas. As notícias são estarrecedoras, diante dos numerosos locais  intensamente frequentados por turistas que se encontram impróprios para o  banho por causa da infestação por coliformes fecais – ou seja, esgoto. E  a água poluída acaba contaminando a areia da praia, que, por sua vez,  passa a significar um risco maior para a saúde do que a própria água.

A  lei atribui às prefeituras a responsabilidade pela execução do  saneamento básico. O Ministério Público vem acompanhando as licitações,  que, em certos casos, precisam ser refeitas, o que recomendaria uma  providência para evitar a suspensão de obras: a orientação das  autoridades competentes sobre como proceder para não incorrer em erros  que tanto atrasam o saneamento.

Apesar da forte e conhecida  ligação entre os serviços de esgotamento sanitário e a saúde pública, a  comunidade não reivindica seus direitos perante as autoridades e os  administradores públicos acabam relegando essa inacreditável sujeira a  segundo plano, até porque nossa cultura política é no sentido de que  fazer “obras enterradas” não dá voto.

Infelizmente, nossos  colonizadores nos deixaram uma herança de descaso com relação ao  saneamento básico. Nossa imperatriz Leopoldina, que era austríaca,  documentou em cartas, posteriormente transformadas em livro, a forma  como os excrementos eram retirados do palácio de dom Pedro I. Os  escravos vertiam o conteúdo dos penicos numa grande tina que carregavam  nas costas pelos corredores da residência, por vezes sem conseguir  evitar acidentes que provocavam quedas desastrosas e malcheirosas. Em  seguida, dirigiam-se até os arredores da edificação para despejar o  esgoto diretamente no rio que abastecia de água a família imperial ou,  dependendo do caso, acabavam deixando os excrementos amontoados em  terreno próximo sem nenhum tratamento, enterramento ou isolamento.

Para  que se possa superar o legado de ignorância sobre os perigos da falta  de saneamento básico e varrer do Brasil essa vergonha, seria importante  que se promovessem campanhas nas escolas e nos meios de comunicação para  esclarecer a população e conscientizar os governantes. Somente a  informação pode trazer as mudanças que o País requer.

Por sua vez,  o descumprimento da Lei n.º 11.445/2007, chamada Lei do Saneamento,  pode gerar a responsabilização do(a) administrador(a) público(a) por  improbidade. Criancinhas brincando em águas contaminadas, favelas com  esgoto a céu aberto correndo pelo meio-fio, praias infectadas e doenças  de alta gravidade contraídas por incúria de pessoas eleitas pelo voto  popular precisam ser varridas de nossa realidade cotidiana.

O  corrente ano é muito importante para a população brasileira porque vamos  escolher prefeitos e vereadores, justamente os responsáveis pela  melhoria ou a piora de nossa situação atual. A oportunidade é ótima para  que se possam colher compromissos dos (as) candidatos(as) com metas e  prazos no que se refere ao tratamento adequado do esgoto em todas as  cidades do País.

O Programa Cidades Sustentáveis vem sendo  apresentado pelo Instituto Ethos em parceria com a Rede Nossa São Paulo e  outras entidades, como o Instituto Trata Brasil – que luta pela  melhoria do saneamento básico no País -, aos partidos políticos e  respectivos postulantes a cargos públicos municipais para que se  pronunciem sobre a limpeza dos nossos recursos hídricos, tão  maravilhosos e tão maltratados no Brasil, a começar pela sua maior  cidade, que é São Paulo, a qual se encontra rodeada de rios assassinados  pela poluição.

*Membro do Instituto Trata Brasil, procuradora de  Justiça do Ministério Público de São Paulo, ex-secretária nacional dos  Direitos da Cidadania do Ministério da Justiça e ex-subprefeita da Lapa,  é autora, entre vários outros livros, de “A Paixão no Banco dos Réus”,  sobre crimes passionais, e “Matar ou Morrer – O Caso Euclides da Cunha”

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