BLOG

Poesia de ano pandêmico

Quanto mais poesia eu tivesse para distribuir em benefício da vida, mais poesia em oferta, colocaria nas ruas do tempo.

Não seria para esquecer as lágrimas pois poesia não é anestesia, nem com amnésia rima.

Poesia é um fôlego de náufrago, sobrevivência em estado de natureza!

E lacrimejante como sou nunca evitei chorar, de tristeza ou por amor – ouso afirmar que tem poesia até mesmo na dor.

Mas pensando nos entes que este ano doente levou, retornando ao estado de flama espiritual incandescente, prefiro pensar sobre a morte, como vida; luz eterna que aproveita sonhos e reinventa formas poéticas de existir.

Como alguém que caminhou descalço por longo percalço e de repente parou, olhando para trás…como ficar insensível ao rastro tão largo de desamor?

A solidão da má política executada a invadir tantas moradas, retirando quinhões suados de possibilidades para alojar em quadriformes juízos de valores, separando vidas por sexualidade, peso, tamanho, cor…

Sensação de pesar pode atrasar essa caminhada secular em inações. O eco do tempo me parece oco mas sei que abriga a sabedoria das avós.

Retomar uma jornada árdua não anima o corpo abatido, a força há vir do espírito. O tempo reservou uma dose extra de vigor. Será por isso que as crianças sorriem?

Mudando a atmosfera psicológica, a percepção das flores anônimas que enfeitam caminhos fala sem dogmas e perfuma o coração. Há biologia na vida e na morte, há energia no sim e no não, mas o meio termo não se perde, e tantas vezes serve de abrigo às dúvidas.

Nem sempre a confiança irrompe como animais livres o fazem. A domesticação do senso surte efeito e nem sempre se entrega às cantorias que nos curam sem cobrar dinheiro.

A imperfeição tem sua cota de charme e merece nosso perdão.

Quem nunca teve medo de ir adiante? Quem nunca se ajoelhou para dificultar a entrada no desconhecido? Quem resistiu para sempre? Quem mais, senão o espírito?

Agora a poesia é deslocamento, desarrumação, caos criador!

Todos os desejos suprimidos e os rascunhos impublicáveis das vidas humanas reconfortam a igual diferença de sermos errantes. Depois da luta esperamos a trégua mas o que vem é luta nova.

Escrever assim é entrar no túnel para não ficar preso nas teias dos pensamentos grosseiros, refinando acordes de vozes interiores antigas, persistentes na recriação dos ambientes favoráveis, e isso é vida em estado de pureza!

Desejando montar uma oferta simétrica, com estética de imaginação, eis o possível dito, na decoração sensível de uma alma que sonha e olha a realidade com respeito e digno prazer de ser.

A imperfeita poesia dessa hora ressoa.

O amanhã nos receberá porque não existem portas para quem se liberta. Leva esse lenço contigo!

 

SOBRE O AUTOR

..