PM fantasma vira testemunha de deputado em ação penal

Acuado por um documento da Polícia Militar, o deputado estadual Nelito Gomes de Barros (PSDB) pode ser condenado em uma ação penal, que tramita no Tribunal de Justiça, por porte ilegal de arma de fogo, apreendida pelos agentes federais da Operação Taturana, em 6 de dezembro de 2007, nas investigações sobre o maior escândalo de desvios de verbas da história de Alagoas.

O processo criminal que corre no TJ está na reta final. Depende apenas do presidente em exercício do TJ e relator da ação penal, o desembargador Edivaldo Bandeira Rios, para que vá ao plenário. E o deputado fica cada vez mais enrolado todas as vezes que tenta explicar a origem da arma, de uso restrito. Desta vez, apontou um policial militar como o dono da arma. Só que o PM em questão nunca pertenceu à corporação. E se o policial não era policial, não poderia carregar uma arma de uso restrito. 

Antes, logo quando a arma foi encontrada, ele tentou dizer que ela seria entregue à Polícia Federal de forma espontânea pelo próprio deputado, obedecendo ao Estatuto do Desarmamento e a “boa fé” do integrante da Assembleia Legislativa. O Ministério Público Estadual viu que a estratégia era papo furado e rejeitou a “boa fé” do taturana.

Uma outra arma, também de uso restrito, foi apreendida na fazenda do pai, o ex-governador Manoel Gomes de Barros. Uma submetralhadora Taurus Famae ponto 40. É uma arma poderosa, com capacidade de carregar 30 cartuchos de uma só vez. Dispara 1.200 tiros por minuto. 

O ex-governador argumentou que arma era para a segurança pessoal- ele se sentia ameaçado pelo ex-líder da Gangue Fardada, o ex-tenente-coronel Manoel Francisco Cavalcante. Foi o ex-governador quem ajudou a colocar Cavalcante na cadeia.

Não adiantou a desculpa. Ele foi condenado pelo crime. A sentença está em grau de recurso.

PM não existe

Mas, a outra arma de uso restrito pertence a Nelito Gomes de Barros, segundo a Policia Federal. Foi apreendida no apartamento dele, no bairro de Ponta Verde, no dia das buscas e apreensões da PF, em 2007.

Trata-se de uma pistola “Smith & Wesson, modelo 5906, nº VAV 6447, com um carregador e quinze cartuchos 9mm, intactos”, conforme detalha o procurador-Geral de Justiça substituto, Sérgio Jucá, autor da ação penal contra o parlamentar. A arma só pode ser usada em duas condições: uma, por policiais federais. Outra: pelas Forças Armadas. Nelito só tem uma profissão: deputado.

Na defesa, ele usou a primeira estratégia: o Estatuto do Desarmamento, que daria ao deputado a possibilidade de ter uma arma, de uso restrito- existindo um prazo para entrega do artefato à Polícia Federal. Tudo “de boa fé”, conforme a defesa:

Afirmou ainda que naquele lapso temporal decorrente da vacatio legis ocorreu a atipicidade das condutas elencadas nos arts. 12 e 16 do Estatuto do Desarmamento, fulminando a possibilidade de imputação de pena, porquanto a boa fé do denunciado haveria de ser presumida, pois este entregaria o artefato antes de expirado o prazo legal, o que, sob sua ótica, constituiria hipótese de abolitio criminis temporalis”, diz Nelito, em sua defesa.

Jucá negou os argumentos. A arma era de uso restrito, a Assembleia Legislativa foi comunicada do fato, “silenciou”- conforme o procurador Geral de Justiça substituto- e, como neste caso, os deputados não precisam ser consultados sobre ação penal aberta contra um integrante da Casa de Tavares Bastos, a denúncia foi levada adiante: “Ao contrário do que afirma o indiciado na sua defesa o fato de ser encontrada a arma de uso restrito em sua casa já configura o crime de receptação, pois é presumido que ele adquiriu ou recebeu em seu proveito arma que sabia ser de uso restrito”, diz Jucá.

Nelito usou o plano B: disse que a arma pertencia a um segurança dele e do pai, o policial militar Alvacy José da Rocha Filho. O plano era que Alvacy confessasse que a arma era sua, livrasse Nelito das acusações, e o deputado fosse absolvido de forma sumária, como tentou fazer em março- e teve o pedido negado pelo TJ.

Mas, Nelito não contava que o relator do processo, o desembargador Edivaldo Bandeira Rios, encaminhasse um ofício ao Comando Geral da PM em Alagoas, pedindo informações sobre o oficial. O pedido foi protocolado em 18 de setembro.

“Assim, determino que seja oficiada a Polícia Militar de Alagoas para prestar informações se o Policial Militar Alvacy José da Rocha Filho, à época do fato (06 de dezembro de 2007), prestava serviço de agente de segurança ao deputado Manoel Gomes de Barros Filho ou ao seu genitor, Manoel Gomes de Barros, conforme sustentado pelo réu em audiência de instrução e julgamento ocorrida nesta Corte”, pede o desembargador.

Trinta e sete dias depois, dia 25 de outubro, a PM responde ao ofício: “a referida instituição afirmou não haver nenhum policial militar com aquele nome apresentado pela defesa”. Alvacy José da Rocha Filho pode ser segurança. Mas, nunca trabalhou na PM de Alagoas. Ao tentar se defender, Nelito acabou produzindo uma prova contra si mesmo.

Foi aberto prazo a defesa elaborar sua tese, que tramita no Judiciário alagoano. E a estratégia de Nelito foi desfeita porque o procurador de Justiça, Luiz Carnaúba Barbosa, recomendou ao relator do processo que prosseguisse com a ação. A decisão agora cabe ao presidente em exercício do TJ, ainda sem data para colocar este processo na pauta do tribunal.

Crime de pai para filho

Nelito Gomes de Barros foi indiciado por formação de quadrilha, peculato, lavagem de dinheiro e crime contra o sistema financeiro nacional nas investigações da Operação Taturana. Segundo o inquérito da Polícia Federal, Nelito era o 2º secretário da Mesa Diretora da Assembleia e integrava o esquema de apropriação na Gratificação de Apoio Parlamentar (GAP), fraudes em empréstimos consignados e manipulação das declarações de imposto de renda.

Ele foi condenado na ação de improbidade administrativa, com outros deputados e ex-deputados na Assembleia Legislativa. Nelito tenta recurso no TJ. Este processo está em fase de análise, pela Procuradoria Geral de Justiça, para elaboração de argumentos.

O deputado Nelito também está envolvido, juntamente com os deputados Antônio Albuquerque e Cícero Amélio, além do empresário Marcelinho Cabeção, no esquema de lavagem de capitais através da aquisição de veículos de luxo”, diz o inquérito da PF, da Operação Taturana.

O pai de Nelito, o ex-governador Manoel Gomes de Barros, foi condenado em outubro do ano passado e em maio deste ano por posse de arma de uso exclusivo. Mano foi condenado a prisão em regime aberto, convertida em serviços comunitários e pagamento de 100 salários mínimos. Ele recorreu. Seu crime era portar a arma de fogo de uso restrito.

Ninguém teve a coragem da acabar com o crime organizado. Eu tive, e pago por isso até hoje. Falaram tanto das armas, mas o que eles não sabem é que tenho quatro policiais que fazem a minha segurança, e a metralhadora que foi encontrada em minha residência foi autorizada pelo governo do Estado, e também aprovada pelo Conselho de Segurança”, disse Mano, na época das denúncias. A casa dele também foi devassada nas investigações da Taturana.

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