Pesquisa em Alagoas, Ceará e Pernambuco vai abordar situação de crianças nas ruas

Karla Camila/Diário do Nordeste

Crianças em situação de moradia de rua fazem parte de uma realidade nacional. Entretanto, até hoje, não havia um senso ou qualquer pesquisa que pudesse provar quem são eles, quantos e onde estão. Então, para tentar analisar e responder questionamentos sobre o perfil de crianças e adolescentes em situação de rua, a Campanha Nacional Criança Não é de Rua, em parceria com a Universidade Federal do Ceará (UFC) e o Observatório Nacional, lançaram, neste mês, em 33 cidades do Brasil, a Plataforma Digital Rua Brasil Sem número, que deve ter como resultado a quantidade de meninos e meninas nas ruas do Brasil.

A expectativa é de que cerca de cinco mil crianças sejam entrevistadas e a pesquisa termine no dia 30 de setembro e seja divulgada em dezembro. A realização da consultada foi anunciada, na semana passada, durante evento na UFC. Nos primeiros 15 dias da pesquisa, 105 crianças foram entrevistadas em quatro Estados: Ceará (43), Alagoas (18), Pernambuco (28) e São Paulo (16). Destas, 26 estavam há mais de três anos na rua; 17 estavam de um a três anos; cinco de seis a um ano; quatro de três meses a seis meses e três de um a três meses. A pesquisa leva em conta aquelas crianças e adolescentes que estão a partir de 48 horas nas ruas.

Moradia

Entretanto, há uma outra parcela que tem onde morar, mas passa o dia na rua trabalhando, como é o caso de Maria, hoje com 11 anos. Todos os dias, ela acorda às 6 horas, pega um pequeno rodo, uma flanela e vai para um semáforo na Avenida Eduardo Girão, em Fortaleza, limpar vidros de carros. Junto com ela, o irmão João, sete anos, a irmã Clara, quatro anos, ainda com sua chupeta, e a mãe que os monitora de longe.

Com um sorriso tímido no rosto, a menina conta que gosta muito de estudar, mas confessa que, neste ano, a mãe não matriculou nem ela nem os irmãos na escola. “Queria muito ser doutora para poder ajudar as pessoas e também a minha mãe. Acho muito bonito o trabalho de um doutor”. De repente, o semáforo fecha e Maria corre para ganhar mais um trocado.

Muito desconfiada, a mãe das crianças, Rita de Sousa (nome fictício), explica que ela e o marido estão desempregados e sem residência fixa, portanto, tiveram que pedir abrigo para uma das avós dos meninos. Com a mudança de endereço, não conseguiram matricular os meninos na escola. Segundo ela, é difícil cuidar dos filhos sem ter dinheiro, por isso, não viu outra opção a não ser levá-los para pedir esmolas. “A gente morava no Aracapé, mas, depois que perdemos o emprego, tivemos que morar com a minha mãe no Bom Jardim. Para que eles não passem fome, o jeito foi pedir esmolas”.

Na tentativa de definir quantos casos semelhantes a esse existem em todo o Brasil, Manuel Torquato, coordenador da pesquisa Plataforma Digital Rua Brasil Sem Número e da Equipe Interinsititucional de Abordagem de Rua de Fortaleza, viajou para 33 cidades brasileiras e firmou parceria com 80 instituições públicas e privadas.

Ele explica que a intenção da pesquisa é gerar um número real das crianças que estão morando nas ruas do Brasil. “As pesquisas que são encontradas no Brasil são recortes pequenos e só retratam cada região. Não há uma coleta de dados nacional. Infelizmente, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) realizou um senso para a população de rua adulto e não criança”, afirma Torquato.

Segundo o pesquisador, sem os dados, não há política pública eficaz, pois não é possível saber quantas crianças em situação de rua precisam de atendimento e por que elas estão na rua. Conforme ele, na pesquisa, cada criança deve responder um questionário de 60 perguntas, informando quanto tempo está na rua, se usa drogas, entre outras questões. A expectativa é que a avaliação termine no dia 30 de setembro e seja divulgado em dezembro.

Monitoramento

O coordenador do Programa Municipal Ponte de Encontro, da Secretaria Municipal de Direitos Humanos (SDH), Ney Robson, reconhece que o Município não consegue monitorar toda a cidade. Ele afirma que o programa chega a atender cerca de 400 crianças e adolescentes.

Conforme ele, a SDH possui 40 educadores sociais somente na equipe do Ponte de Encontro. Todos estão disponíveis para colaborar com a pesquisa. “Atuamos em 35 áreas nas cidades, entre terminais de ônibus praças e locais de alta vulnerabilidade. A nossa contribuição é no sentido de colocar todos os profissionais para atuar nessa plataforma”, ressalta.

Questionado sobre o assunto, o professor de Sociologia da UFC, Domingos Abreu, ressalta a importância da pesquisa, já que não existiam esses dados no País. Ele lembra que muitas crianças e adolescentes têm moradias, mas saem de casa ao enfrentarem problemas como violência sexual, agressões ou envolvimento dos pais com álcool.

Domingos Abreu lembra da necessidade de incentivos por parte do governo federal e ainda alerta para os problemas com as drogas. “Atualmente, é mais fácil resolver essa situação do que há 30 anos atrás, mas, independentemente dos programas assistencialistas, temos um elemento muito forte que as mantém nas ruas, que é a droga. Portanto, temos um grande desafio pela frente”, revela.

 

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