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Pensando o plano Brasil Mais Seguro

Elaine Pimentel- É professora da Ufal e integrante do Núcleo de Estudos sobre a Violência em Alagoas- Publicado na Gazeta de Alagoas

Passadas algumas semanas do lançamento do Plano Brasil Mais Seguro, proponho algumas reflexões sobre o programa de ações que mobilizam os três Poderes, instituições públicas e entidades da sociedade civil com o objetivo de diminuir os altos índices de criminalidade, com foco principal na questão dos homicídios.

Primeiro é preciso considerar que toda a sociedade ansiava por uma iniciativa do Poder Público, diante do trágico panorama da criminalidade em Alagoas. Embora se trate de um plano nacional, o fato de lançá-lo em Alagoas parece-me ter o caráter simbólico de ratificar a atenção do Governo Federal para com o nosso Estado, que há anos figura no topo do ranking das lamentáveis estatísticas de homicídios. Em outras palavras: finalmente os olhos estão voltados para Alagoas.

Mobilizar todos os Poderes, nas esferas Federal, Estadual e Municipal, soa bastante razoável, mas só produz resultados a longo prazo se na essência do programa estiver a concepção de que segurança pública não é apenas uma questão de polícia. Investir na realização de concurso público para as carreiras que compõem as atividades típicas de segurança, a exemplo de polícias e perícia, comprar armas e equipamentos, fazer operações ostensivas e aumentar o número de presídios, entre outras ações previstas no Plano, sem dúvida causa impacto imediato e pode até proporcionar a redução de alguns índices de crimes praticados nos espaços urbanos. Afinal, não se pode negar que ações policiais, preventivas e repressivas, possuem o importante papel de intimidar o cometimento imediato de delitos, espalhando a tão falada “sensação de segurança” na população.

A questão é que o enfrentamento da violência e da criminalidade exclusivamente pela via da força pode ser extremamente cruel com a própria população, sobretudo com os moradores de bairros periféricos e economicamente mais pobres. São eles, em regra, os destinatários das abordagens policiais mais violentas, como se a condição da pobreza os identificasse, naturalmente, com a criminalidade. São eles, também, que compõem a maior parte da população carcerária. O Estado, ao invés de chegar a essas pessoas por meio de políticas de inclusão social – escola, saúde, moradia, lazer etc. –, corre o risco de só se fazer presente como polícia e prisão. É o que o criminólogo italiano Alessandro De Giorgi chama de “gestão penal da miséria”. Posso exemplificar.

Na primeira audiência pública realizada pela Comissão Especial de Investigação (CEI) da Câmara de Vereadores de Maceió estiveram presentes diversos intelectuais compromissados com essa questão, além de representantes de movimentos sociais e de bairros. Todos estavam ali com o propósito de debater alguns dos fatores que contribuem para o envolvimento de jovens na criminalidade e com as drogas, protagonizando o sangrento espetáculo diário dos homicídios, seja como autores e ou como vítimas. A pergunta-chave da discussão era: como estão morrendo os nossos jovens?

A professora Fátima Albuquerque e o professor Jairo Calado apresentaram dados da mortalidade de jovens, de 2001 a 2010, com uma análise das tendências a partir dessa série histórica, fazendo uma geografia desses crimes na cidade de Maceió. A socióloga e professora Ruth Vasconcelos enfatizou a dimensão subjetiva do problema, centrando a discussão na necessidade de cuidarmos da formação e da constituição dos sujeitos dentro de um processo educacional onde as leis subjetivas sejam inscritas a partir de interdições amorosas realizadas no âmbito da estrutura familiar. O professor Sávio Almeida propôs um olhar mais estrutural, cobrando do Poder Público o cumprimento de seu papel.

O antropólogo e professor Edson Bezerra, porém, em sua exposição, propôs a reelaboração do questionamento: como estão vivendo os nossos jovens? Para ele, essa é a inquietação central para a compreensão das motivações que levam os jovens à criminalidade violenta.

Essa mudança de perspectiva encontrou eco nas vozes dos representantes da sociedade civil. Diversos relatos enfatizaram o descaso do Poder Público com os bairros periféricos, não apenas no que diz respeito às escolas e ao transporte público, mas também à ausência de espaços de convívio para a juventude, a exemplo de praças e quadras poliesportivas, bem como de incentivos às ações culturais de iniciativa das próprias comunidades, que têm como finalidade precípua agregar jovens em torno das artes.

O desabafo do pai de um adolescente, morador de um desses bairros, retrata bem essa realidade: “Eu coloco meu filho na garupa da motocicleta para levá-lo a algum lugar. Procuro e não tem para onde ir. Não tem praça, não tem parque, não tem nada. Faço a volta e ficamos em casa. Esse é o nosso lazer”.

Isso significa que os jovens tendem a permanecer na ociosidade, tornando-se vulneráveis à sedução da criminalidade. Proporcionar a esses jovens meios de uma vivência social plena, marcada por atividades culturais e profissionalizantes é uma forma de conceder a eles a mais ampla cidadania, com oportunidades de inserção no mercado de trabalho. Isso sim produz efeitos na redução de índices de criminalidade a longo prazo.

Por tudo isso, entendo que, embora todas as ações programadas pelo Plano Brasil Mais Seguro sejam necessárias e pertinentes, os bons resultados só aparecerão – e se farão duradouros – se ele for mais do que é hoje, ou seja, se ultrapassar a velha concepção de que o uso exclusivo da força é a solução para os problemas da criminalidade.

Um sentido mais amplo de segurança pública, em sintonia com ações de cidadania, parece ser uma estratégia de prevenção mais eficaz, capaz de proporcionar à população uma segurança pública cidadã, que encontra na própria participação popular o caminho para a paz social.

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