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Pela memória de Dirceu Lindoso

Neste emocionado investimento de escrita me concedo a liberdade de homenagear Dirceu Lindoso, um herói da historiografia independente, como efeito de sua honesta construção intelectual, no louvor e na denúncia da existência do seu acervo pessoal reduzido a uma estante e várias caixas fechadas e conservadas com primor pela guardiã de sua memória, a mulher a quem amou com paixão e poesia, Ismélia Talvares Balduci.

Por mais bonita que seja a atitude de Ismélia, é impossível não experimentar um sentimento de privação ao que poderia ser tratado como um legado público, pelo escritor alagoano que honra com sua história e produção intelectual o norte litorâneo, de modo particular, o município que foi seu berço e sobre o qual sempre tratou de maneira muito especial quando em vida, Maragogi.

A literatura de Dirceu, no entanto, é universal. Suas abordagens são ricas de experiências e imersões políticas, contribuindo com o olhar arguto de quem foi formado pela academia e pela militância histórica, para o entendimento das complexidades não reveladas, que se tornam instrumentos eficazes de boicote ao saber, que por sua vez, é fundamental para a manutenção da cidadania ativa em qualquer ponto do globo.

Na história pessoal, a riqueza de informações pouco conhecidas também serve para ocultar a participação fundamental do jovem comunista em situações que definiram eventos grandes, como ter sido deserdado como punição ao posicionamento político, mais a perseguição e prisão durante o período da ditadura militar, e sua fuga para o exílio.

Todo exilado um dia naufraga nos mares da saudade, e todo náufrago aprende a lutar com energia ferrenha, e Dirceu foi um daqueles que conseguiu sair das águas atormentadas e renovar trajetórias, mas perdeu muitas coisas, e este sistema de retirada de direitos precisa ser resgatado ao centro do debate, como resistência aos abusos e punições institucionalizadas.

Honrada por chegar tão perto do que constituiu o escritor Dirceu Lindoso, não pude me abster de refletir sobre as políticas insipientes que o estado de Alagoas maneja no que se refere ao valor da memória. Como cidadãos, temos direito de encontrar materiais tão importantes em acervos destinados à preservação e acesso seguro, que certamente não prescindem das técnicas de arquivo e cuidados que vão além daqueles motivados pelos sentimentos.

Aguardamos ações de apoio para que a sociedade alagoana se torne guardiã dessa memória ao lado de Ismélia Tavares, que também é escritora e atua no registro histórico com maestria e arte.

SOBRE O AUTOR

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